O Brasil voltou a sair do Mapa da Fome. A nova edição do relatório The State of Food Security and Nutrition in the World (SOFI) 2025, elaborado por FAO, IFAD, UNICEF, WFP e OMS, confirma que o país atingiu novamente o critério de menos de 2,5% da população em situação de subalimentação, o mesmo resultado obtido em 2014.
O principal destaque do relatório é justamente o Mapa da Fome, construído com base na Prevalência de Subalimentação (PoU – Prevalence of Undernourishment), indicador que estima a proporção de pessoas que consomem, de forma habitual, menos calorias do que o mínimo necessário para manter uma vida ativa e saudável.
Esse dado é calculado a partir de três variáveis: quantidade de alimentos disponíveis no país, considerando produção interna, importação e exportação; o consumo de alimentos pela população, considerando as diferenças de capacidade de aquisição (a renda) e a quantidade adequada de calorias/dia para uma pessoa.
O Pacto Contra a Fome elaborou uma análise técnica para aprofundar a compreensão dos dados divulgados e contextualizar a realidade brasileira. O trabalho contou com a contribuição de Walter Belik, cofundador do Instituto Fome Zero; Ana Luiza Gomes Domingos, doutora em Ciência da Nutrição e consultora em Segurança Alimentar e Nutricional; e Natalia Figuerôa Simões, nutricionista e mestre em Saúde e Nutrição.
Indicadores complementares e o contexto brasileiro
Além do PoU, o relatório apresenta dados sobre Insegurança Alimentar Severa e Insegurança Alimentar Moderada e Severa, que refletem a percepção das pessoas sobre o acesso aos alimentos. O nível mais crítico inclui episódios extremos, como passar um dia ou mais sem comer.
No Brasil, a medição nacional é realizada com base na Escala Brasileira de Segurança Alimentar (EBIA), aplicada pelo IBGE. Essa escala classifica os domicílios em três níveis: insegurança alimentar leve, moderada e grave. O nível grave é aquele que mais se aproxima da definição de fome, pois envolve a falta contínua de alimentos no domicílio, inclusive para crianças.
O que os dados mostram
O relatório SOFI 2025 indica que o Brasil já vinha apresentando melhora nos indicadores. No triênio anterior (2021–2023), o percentual de pessoas em subalimentação havia caído para 3,2% (cerca de 6,7 milhões), número ligeiramente inferior ao registrado pela PNAD Contínua, de 4,1% (8,7 milhões). Esse avanço pode ser atribuído à retomada do Plano de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), ao aumento de orçamento para políticas de transferência de renda e à reestruturação de programas voltados à segurança alimentar.
No triênio mais recente (2022–2024), o país alcançou novamente o patamar necessário para sair do Mapa da Fome, com o PoU abaixo de 2,5% da população. Essa conquista reflete a importância das políticas públicas, da atuação da sociedade civil e das redes de distribuição de alimentos excedentes.
Avanço expressivo, mas com desafios
A saída do Brasil do Mapa da Fome é um avanço expressivo e resultado direto da retomada e ampliação de políticas públicas como o Bolsa Família, a alimentação escolar, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Cisternas e a reinstalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Ao mesmo tempo, o relatório ressalta que ainda persistem bolsões de insegurança alimentar que afetam populações vulneráveis, como famílias pobres, mães solo, crianças, pessoas em situação de rua e comunidades rurais. Há ainda riscos associados à inflação de alimentos, às desigualdades territoriais e às mudanças climáticas, que podem comprometer os ganhos recentes. Por isso, a superação definitiva da fome no país exige o fortalecimento contínuo de sistemas públicos como o Sisan, o Sistema Único de Assistência Social (Suas) e o Sistema Único de Saúde (SUS).
O desafio ainda é grande: somando a insegurança alimentar moderada e severa. Somados, 28,5 milhões enfrentam restrições moderadas ou graves na quantidade ou qualidade dos alimentos que consomem. E 24% da população não consegue pagar por dietas saudáveis. Isso sem contar os impactos silenciosos de uma alimentação de baixa qualidade, marcada pelo consumo excessivo de ultraprocessados, pela escassez de alimentos frescos e saudáveis e pelas desigualdades raciais e regionais que atravessam o prato de milhões de famílias.
Leia a análise técnica completa
A Análise Técnica SOFI 2025 detalha os dados do relatório, os caminhos que levaram à saída do Brasil do Mapa da Fome e os desafios que ainda precisam ser enfrentados para garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada.