O caminho da comida até os pratos de milhões de pessoas no Brasil e no mundo é cheio de obstáculos. O acesso a alimentos não depende apenas da produção – fatores como renda, distribuição, políticas públicas e até mudanças climáticas influenciam diretamente quem pode ou não ter uma alimentação suficiente e saudável.
Entenda os desafios do acesso à alimentação, os pilares da segurança alimentar e como políticas e programas podem mudar essa realidade.
O que é acesso aos alimentos?
O acesso aos alimentos é um dos pilares indispensáveis da segurança alimentar, e esse conceito vai além da disponibilidade de alimentos. Ele se refere à possibilidade de todas as pessoas obterem alimentos suficientes, nutritivos e de qualidade para levar uma vida ativa e saudável.
No passado, acreditava-se que aumentar a quantidade de alimentos disponíveis solucionaria a fome, porém, o acesso a esses alimentos depende de fatores econômicos e logísticos.
O acesso econômico diz respeito à capacidade financeira das famílias para adquirir alimentos. Em uma sociedade em que a comida é mercadoria, a renda familiar e o preço dos alimentos são decisivos na hora de colocá-la na mesa, e é um dos motivos que mais levam à insegurança alimentar.
Outro aspecto para que os alimentos sejam, de fato, acessíveis é o acesso físico. Ele é determinado pela proximidade de mercados e outros estabelecimentos que vendam alimentos saudáveis da casa das pessoas, e toda uma logística precisa existir para que isso aconteça. A falta de infraestrutura, como estradas e transporte, encarece os alimentos e impossibilita sua disponibilidade em todos os lugares, o que também prejudica o acesso a eles..
A equidade na distribuição de alimentos também é crucial para proporcionar o acesso.. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, mas a distribuição desigual – causada pela necessidade de se obter lucro sobre os alimentos e, por isso, a preferência por vendê-los para quem paga mais – ainda cria barreiras que dificultam o acesso para as populações mais vulneráveis.
Além disso, o acesso à alimentação saudável não depende só da oferta de alimentos, mas também da sua qualidade, diversidade e valor nutricional. Uma dieta pobre em nutrientes impacta diretamente a saúde da população, podendo levar a doenças como desnutrição e obesidade.
4 pilares da segurança alimentar
A chamada Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) vai além da erradicação da fome. O conceito também envolve a garantia do acesso, de maneira digna, a uma alimentação adequada e saudável.
Para assegurar que esse direito à alimentação seja suficiente em quantidade, qualidade e acessível a todos, de forma contínua e sustentável, a segurança alimentar se baseia em quatro pilares fundamentais:
- Disponibilidade: existência de alimentos em quantidade suficiente para atender toda a população;
- Acesso: capacidade econômica e física das pessoas para adquirir alimentos de qualidade e em quantidade suficiente;
- Utilização: aproveitamento adequado dos alimentos para uma nutrição de qualidade, o que envolve diversidade alimentar, saneamento básico e educação nutricional;
- Estabilidade: continuidade do acesso aos alimentos ao longo do tempo, visando reduzir a vulnerabilidade diante de crises econômicas, climáticas e políticas.
Desigualdade de acesso aos alimentos em dados
Apesar da alimentação ser um direito fundamental de todos, a desigualdade no acesso a alimentos saudáveis ainda é realidade no mundo. Isso se deve a uma série de fatores, incluindo desigualdade econômica, falta de infraestrutura e políticas públicas ineficientes.
Segundo o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI)”, cerca de 2,8 bilhões de pessoas não poderiam pagar por uma dieta saudável em 2022, o que representa mais de um terço das pessoas no mundo.
A desigualdade no acesso a alimentos fica evidente na distribuição global: 71,5% das pessoas que não conseguem pagar por uma dieta saudável vivem em países de baixa renda. Nos países de alta renda, esse percentual é de apenas 6,3%.
Essa disparidade também se reflete nos custos de uma alimentação saudável ao redor do mundo. Conforme o Panorama Regional da Segurança Alimentar e Nutricional, a América Latina e o Caribe têm o maior custo global, atingindo US$ 3,89 por pessoa por dia em 2020. Em seguida, aparecem Ásia (US$ 3,72), África (US$ 3,46), América do Norte e Europa (US$ 3,19) e Oceania (US$ 3,07).
Causas e consequências da falta de acesso à alimentação
A falta de acesso a alimentos é uma realidade para cerca de 733 milhões de pessoas no mundo, de acordo com o último relatório SOFI. Isso tem impactos profundos na saúde e no desenvolvimento social, agravando a pobreza nessas populações e aumentando os gastos públicos.
Entre as principais causas que dificultam o acesso à comida estão o alto custo dos alimentos saudáveis e a renda insuficiente para comprá-los. Outra barreira significativa é a infraestrutura precária em muitas áreas periféricas, que pode dificultar a chegada desses alimentos, tornando esses espaços os chamados desertos alimentares.
As mudanças climáticas e os desastres ambientais também colocam o acesso universal à alimentação em risco, afetando a produção, a distribuição e os preços dos alimentos. Sem políticas públicas eficazes, todas essas causas se agravam, ampliando ainda mais a vulnerabilidade.
O resultado desse cenário é a insegurança alimentar, que leva a uma série de consequências negativas para a saúde, como desnutrição, obesidade e doenças relacionadas à má alimentação. Essas consequências ainda prejudicam o aprendizado de crianças, limitam oportunidades de trabalho e perpetuam o ciclo da pobreza ao longo das gerações.
Como garantir o acesso à alimentação saudável?
A garantia de acesso à alimentação saudável passa pelo incentivo à produção de alimentos in natura e minimamente processados, investimentos em logística de distribuição desses alimentos e a melhor distribuição de renda.
Programas de assistência, como o Bolsa Família, por exemplo, garantem que a população tenha o poder de compra para adquirir alimentos saudáveis. A criação de políticas de regulação de preços desses alimentos por meio da formação de estoques e da isenção da Cesta Básica, por exemplo, é essencial.
Além disso, é fundamental fortalecer programas de distribuição de alimentos, incentivar a agricultura sustentável e apoiar os agricultores familiares, que são os maiores produtores de alimentos saudáveis no país.
A educação nutricional também tem um papel essencial. Afinal, não basta fornecer alimentos; é preciso ensinar as pessoas sobre como fazer escolhas alimentares saudáveis. E para que essas escolhas possam ser feitas, também é preciso dar mais atenção à logística necessária para que esses alimentos cheguem às pessoas, melhorando a infraestrutura de regiões periféricas e incentivando mercados desses locais a venderem comida de verdade.
Programas de acesso a alimentos no Brasil
O Brasil já foi referência mundial no combate à fome por meio de políticas públicas quando saiu do Mapa da Fome em 2014. O acesso à alimentação saudável é uma prioridade de vários programas focados em pessoas em situação de vulnerabilidade social no país.
Atualmente, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil soma mais de 64 milhões de pessoas em insegurança alimentar. Para transformar essa realidade e tirar o país novamente do Mapa da Fome, o governo federal tem vários programas de acesso a alimentos e à água. Conheça os principais:
- Bolsa Família: maior programa de transferência de renda do país, voltado para famílias em situação de vulnerabilidade;
- Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): compra alimentos da agricultura familiar e direciona para organizações públicas que assistem pessoas em vulnerabilidade alimentar e social, como escolas, hospitais, creches e asilos;
- Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): referência mundial, transfere recursos financeiros para a merenda escolar da rede pública e conecta alimentos de agricultores familiares do PAA às escolas;
- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf): apoia agricultores familiares com crédito e assistência técnica;
- Programa Cisternas: instala cisternas em áreas rurais para garantir acesso à água para famílias de baixa renda atingidas pela seca ou falta d’água;
- Programa Fomento Rural: oferece apoio técnico e financeiro para fortalecer a capacidade produtiva de famílias rurais de baixa renda;
- Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional: espaços que oferecem serviços para assegurar a segurança alimentar, como bancos de alimentos, restaurantes populares e cozinhas comunitárias;
- Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana: incentiva a produção agrícola sustentável em áreas urbanas, visando melhorar a segurança alimentar e gerar renda;
- Programa Cozinha Solidária: apoia financeiramente as cozinhas solidárias – iniciativas da sociedade civil que oferecem refeições gratuitas a pessoas em vulnerabilidade social.