Cisterna: tecnologia social que leva água para quem mais precisa

Entenda como essa tecnologia social funciona e seu papel no combate à insegurança hídrica e alimentar no semiárido 

Nos lugares onde a água não chega pelas torneiras, a chuva é o fio que separa a sobrevivência da escassez. Por isso, a capacidade de armazená-la representa a conquista de dignidade, autonomia e futuro para milhares de comunidades atingidas pelas secas e que foram historicamente invisibilizadas pelo poder público no país.

Entenda o que é uma cisterna, quais seus benefícios e como ela proporciona segurança alimentar e o fortalecimento de comunidades do campo.

O que é uma cisterna e para que serve?

A cisterna é um reservatório utilizado para captar e armazenar água, parecida com uma caixa d’água. Geralmente, ela é projetada para coletar água da chuva, mas também pode ser abastecida com água vinda de minas, riachos, rios ou água de reúso.

O principal objetivo das cisternas é garantir o acesso à água em regiões onde a escassez hídrica compromete o abastecimento regular, especialmente em áreas rurais afetadas pela seca.

O uso da água armazenada depende do tipo de cisterna e de sua finalidade. Algumas são voltadas para o consumo humano, o que exige um tratamento adequado. Outras servem para irrigação agrícola, criação de animais ou uso doméstico não potável, como limpeza e descarga de sanitários. 

Como funciona uma cisterna

Toda cisterna tem a função de captar, armazenar, preservar e conduzir a água com segurança para uso posterior. Para isso, seu processo de funcionamento tem três etapas principais: captação, filtragem e armazenamento.

No caso das cisternas de água pluvial, a captação ocorre a partir do telhado das casas ou de uma superfície impermeabilizada, como um calçadão de cimento. A água da chuva escorre é conduzida por canos até o reservatório e passa por um filtro natural, feito de areia, brita e carvão, que remove as impurezas e resíduos sólidos.

O reservatório é fechado e protegido contra contaminação, construído com cimento, polietileno ou outros materiais resistentes. Para assegurar a qualidade da água e o bom funcionamento do sistema, as cisternas precisam de limpeza e manutenção periódicas.

Tipos de cisternas

As cisternas podem ser classificadas de acordo com seu propósito, capacidade de armazenamento e forma de abastecimento. Os principais tipos de cisternas são:

  • Cisterna de placas de alvenaria: Modelo mais comum no semiárido, é instalada nos telhados das casas e capta até 16 mil litros de água da chuva, que pode ser usada para consumo humano;
  • Cisterna calçadão: Usada para produção agrícola, capta a água pluvial por meio de um calçadão cimentado, conduzindo-a até um reservatório de 52 mil litros;
  • Cisterna enxurrada: Aproveita o fluxo das enxurradas em áreas de declive para decantar, filtrar e armazenar a água em reservatório de 52 mil litros.

Benefícios do uso de cisternas

As cisternas trazem uma série de vantagens ambientais e econômicas, como redução nos gastos com água, prevenção de crises hídricas e aproveitamento sustentável. Mas mais do que isso, a solução representa a conquista do direito humano à água, reconhecido internacionalmente e ainda negado a cerca de 32 milhões de brasileiros, segundo um levantamento do Instituto Trata Brasil.

Em áreas rurais e com regime irregular de chuvas, onde o acesso a esse recurso é escasso, sua instalação pode transformar a realidade de famílias inteiras e promover dignidade, saúde e autonomia.

Outras tecnologias sociais de acesso à água

As cisternas são um exemplo emblemático das chamadas tecnologias sociais, definidas como soluções criadas junto com as comunidades, unindo os saberes técnicos aos conhecimentos populares.

O objetivo dessa metodologia é resolver problemas concretos de forma sustentável, replicável e de baixo custo. Diferente das tecnologias convencionais, essas soluções priorizam a inclusão social, o empoderamento comunitário e o fortalecimento da cidadania.

Além das cisternas, outras tecnologias sociais ampliam o acesso à água em áreas rurais sem abastecimento. Veja algumas:

  • Barragem subterrânea: Construída abaixo da terra em áreas mais baixas do terreno, retém a água da chuva que infiltra no solo, mantendo-o úmido por mais tempo;
  • Barreiros trincheira: Reservatórios estreitos e profundos escavados no solo, que armazenam grandes volumes de água e reduzem a evaporação;
  • Tanques de pedra: Aproveitam depressões naturais em rochas para acumular água pluvial, geralmente são comunitários;
  • Sistema de tratamento e reúso de água cinza: captam e tratam a água utilizada em pias, tanques e chuveiros para reaproveitamento em atividades não potáveis, como irrigação e limpeza;
  • Sistemas pluviais multiuso: Integram captação de água da chuva, tratamento e uso em banheiros familiares ou instalados nas comunidades.

Programa Cisternas

O conceito de tecnologia social ganhou força e legitimidade a partir de políticas públicas como o Programa Cisternas, criado em 2003 pelo governo federal. Focado no semiárido brasileiro, o programa visa garantir o acesso à água para consumo humano, produção de alimentos e criação de pequenos animais em comunidades rurais de baixa renda.

Executado em parceria com organizações da sociedade civil, prefeituras e governos estaduais, a iniciativa promove a construção de diferentes modelos de cisternas e outras tecnologias sociais com participação ativa das famílias beneficiadas.

Desde sua criação, o programa implantou mais de 1,14 milhão de cisternas em todo o país, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

Água e segurança alimentar no campo

O acesso à água viabiliza a segurança alimentar para famílias do campo, já que em regiões de estiagem prolongada e sem infraestrutura de abastecimento, a escassez hídrica compromete o cultivo de alimentos, o que afeta a alimentação das famílias e limita a renda dos pequenos produtores.

Com a implantação de cisternas voltadas para a produção, é possível cultivar alimentos mesmo em períodos de estiagem. Isso permite uma alimentação mais diversificada e nutritiva, contribuindo para o combate à insegurança alimentar em regiões vulneráveis, e possibilita a comercialização do excedente da produção, gerando renda para as famílias. Além disso, os beneficiários recebem capacitação e materiais para produção de alimentos, como sementes, mudas e ferramentas.

A implantação de cisterna pode ser integrada a outras iniciativas e políticas, como os bancos comunitários de sementes, que preservam o material genético de sementes nativas, o Programa Fomento Rural e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Assim, a tecnologia se torna um instrumento de transformação social e econômica.A política de acesso à água por meio de tecnologias sociais gera impactos significativos. Entre os resultados estão a redução do tempo gasto na coleta de água, especialmente por mulheres e crianças, maior peso de recém-nascidos, incidência de menos doenças, maior tempo na escola e mais produção de alimentos, segundo o livro “Água para colher futuro: 20 anos do Programa Cisternas”, do governo federal.

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