Saiba o que é a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA)

Entenda como funciona a EBIA, quais são as classificações da escala e sua importância para o combate à fome no Brasil

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2023, mais de 21 milhões de domicílios conviviam com a insegurança alimentar no Brasil — o que representa mais de 64 milhões de brasileiros com dificuldade de acesso à comida.

No entanto, essa realidade não se manifesta da mesma forma em todos os lares. Em algumas casas, a preocupação com não ter o que comer nos próximos dias é constante. Em outras, os adultos já deixam de comer para que as crianças tenham o mínimo no prato. Para algumas famílias, a fome já se tornou parte do dia a dia.

Para entender essas diferenças e medir a gravidade da insegurança alimentar nos domicílios brasileiros, foi criada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) — um instrumento oficial que avalia não apenas a presença de alimentos, mas também as experiências vividas pelas famílias diante da falta deles.

O que é a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar?

A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar — conhecida pela sigla EBIA — é uma escala psicométrica, isto é, um instrumento que mede percepções e experiências subjetivas da fome percebida nos lares, por meio de um conjunto de perguntas padronizadas sobre o acesso a alimentos.

A EBIA foi criada com base em uma escala desenvolvida nos Estados Unidos, a Household Food Security Survey Module (HFSSM), utilizada para medir a segurança alimentar em domicílios estadunidenses.

Os estudos sobre o fenômeno da fome que levaram à Escala Americana concluíram que a insegurança alimentar se agrava progressivamente, sendo administrada por diferentes estratégias. 

Primeiro, os adultos costumam reduzir a quantidade de comida ou pular refeições para tentar proteger as crianças. Quando a situação piora, as crianças também passam a sentir a falta de alimentos, o que indica um nível de escassez mais grave na família.

No início dos anos 2000, pesquisadores de diferentes instituições brasileiras se reuniram para criar e validar uma escala própria de insegurança alimentar adaptada à realidade brasileira, com base no questionário estadunidense de 18 itens.

A escala brasileira foi concluída como um instrumento de alta confiabilidade para diagnosticar não só a dificuldade de acesso a alimentos nos domicílios, mas também as dimensões sociais e psicológicas da insegurança alimentar. 

Considerada de fácil aplicação e baixo custo, a EBIA passou a ser usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2004, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Como funciona a EBIA

Sendo uma escala psicométrica, a EBIA funciona por meio da aplicação de um questionário de perguntas padronizadas, que investigam a vivência da insegurança alimentar nos domicílios. 

O questionário da EBIA é composto por 14 perguntas, com respostas do tipo sim ou não, sobre a experiência nos últimos três meses relacionadas à preocupação com a falta de comida, redução da quantidade e qualidade dos alimentos, e ausência total de refeições por falta de recursos.

As quatro primeiras perguntas se referem ao acesso à comida dos moradores do domicílio como um todo, incluindo adultos e crianças. Os próximos quatro itens investigam a mesma situação, mas vivenciada apenas por adultos (moradores maiores de 18 anos).

As últimas seis perguntas avaliam a condição de acesso a alimentos experienciada pelas crianças e adolescentes da casa, sendo aplicadas somente quando existem moradores nesta faixa de idade.

Com base na quantidade de respostas positivas, o método permite classificar o domicílio em diferentes níveis de segurança ou insegurança alimentar. Ao separar a experiência de adultos e crianças, a escala possibilita identificar a gravidade do problema dentro do lar.

Classificações da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar

A partir do questionário, a EBIA classifica os domicílios brasileiros em quatro categorias: segurança alimentar, insegurança alimentar leve, insegurança alimentar moderada e insegurança alimentar grave.

Enquanto a segurança alimentar é a garantia de acesso regular e adequado a alimentos, a insegurança alimentar reflete a falta de comida em três níveis. O agravamento dessa condição começa com a preocupação de faltar comida nos próximos dias. Depois, a família prioriza a quantidade de alimentos, mesmo que isso comprometa sua qualidade. Se a situação piora, os adultos reduzem a comida, e depois as crianças.

A seguir, entenda em detalhes cada categoria da EBIA:

Segurança alimentar

De acordo com a definição estabelecida na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), a segurança alimentar é a garantia de acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.

Na PNAD Contínua de 2023, mais de 56 milhões de domicílios brasileiros foram considerados em situação de segurança alimentar. Isso significa que essas famílias não sofriam com problema de acesso a comida nem temiam pela escassez no futuro.

Insegurança alimentar leve

Uma família entra no primeiro estágio da insegurança alimentar quando começa a sentir preocupação ou incerteza sobre a disponibilidade de alimentos no futuro próximo. Segundo a PNAD Contínua de 2023, havia 14,3 milhões lares nessa condição no Brasil, o que representa a maior parte (66,2%) dos domicílios em insegurança alimentar.

Nesse estágio, ainda não há necessariamente uma redução na quantidade de comida consumida, mas já existe o receio de não conseguir manter o padrão alimentar. Por isso, as famílias passam a adotar estratégias preventivas, como comprar alimentos mais baratos ou menos variados, com o objetivo de evitar que a situação piore.

Insegurança alimentar moderada

Em 2023, o Brasil tinha 4,2 milhões de lares em situação de insegurança alimentar moderada, conforme a PNAD Contínua. Nesse grau, a dificuldade de acesso aos alimentos deixa de ser apenas uma preocupação e passa a afetar diretamente o consumo diário da casa.

Nesse nível, além da qualidade dos alimentos estar comprometida, a quantidade de comida disponível na casa já não é suficiente para todos os moradores se alimentarem adequadamente. 

Além disso, os adultos da família passam a reduzir o tamanho das porções, pular refeições ou até deixar de comer para garantir que as crianças tenham o mínimo necessário, uma vez que elas são consideradas as mais frágeis da família. 

Na priorização alimentar, ainda pesam as desigualdades de gênero dentro das famílias, segundo a professora e pesquisadora Maria do Carmo Soares de Freitas. Em seu livro “Agonia da fome”, a autora aponta que os homens — vistos como chefes e provedores — costumam ficar com as maiores porções da escassa comida.

Já as mulheres comem menos ou ficam com as sobras da alimentação dos filhos. Para a pesquisadora, isso ajuda a explicar os altos índices de mortalidade materna e infantil no Brasil, além do número de crianças que nascem afetadas pela desnutrição da mãe.

Insegurança alimentar grave

No nível grave de insegurança alimentar é quando acontece a fome, propriamente dita. Em 2023, a fome fez parte da rotina de 3,2 milhões de lares brasileiros, de acordo com a PNAD Contínua.

Nessa situação, a escassez de alimentos é tão severa que todos os moradores da casa chegam a passar fome, incluindo as crianças. Com a redução significativa da quantidade de alimentos disponíveis, a insegurança alimentar mais extrema compromete diretamente a saúde e a sobrevivência dos membros da família. 

A falta de alimentos saudáveis, nutritivos e suficientes pode levar a quadros críticos de fome oculta e desnutrição, colocando em risco a vida das pessoas, principalmente, das crianças.

Importância da EBIA no combate à fome no Brasil

A EBIA é uma ferramenta fundamental para compreender como a fome se manifesta nos lares brasileiros. Por meio dela, é possível identificar os grupos populacionais mais vulneráveis, como famílias de baixa renda, chefiadas por mulheres ou localizadas em regiões com menor acesso a políticas públicas.

A escala aplicada às pesquisas permite acompanhar a realidade da segurança alimentar no país ao longo do tempo, fornecendo dados que revelam tanto avanços quanto retrocessos. Além disso, esse método quantitativo embasa o desenvolvimento de estudos qualitativos sobre o acesso à alimentação.

Os dados classificados por meio da EBIA são cruciais para orientar decisões governamentais e ajudar na formulação de políticas públicas mais eficazes, direcionando ações para onde a fome é mais urgente e garantindo que os recursos cheguem a quem mais precisa.

Além de combater a fome, as medidas públicas devem garantir segurança alimentar em um sentido mais completo — que envolve não só o acesso à comida, mas também a qualidade dos alimentos, hábitos saudáveis, respeito à cultura alimentar e sustentabilidade.

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