Encontrar um mercado que não tenha prateleiras repletas de pacotes coloridos, refeições prontas e bebidas açucaradas se tornou um desafio atualmente. As frutas, vegetais e outros alimentos in natura deixaram de ser os protagonistas e ficaram restritos às seções de hortifruti – e, em alguns deles, nem estão disponíveis.
Esse cenário é comum em muitas regiões em que o acesso a alimentos saudáveis é limitado. No lugar deles, há uma infinidade de produtos industrializados para todos os gostos e, principalmente, bolsos. São os chamados pântanos alimentares.
Veja, a seguir,as causas e impactos desse fenômeno e como é possível reverter esse quadro para garantir que as pessoas tenham a oportunidade de fazer escolhas alimentares saudáveis.
O que são pântanos alimentares?
Os pântanos alimentares são áreas onde predominam a oferta excessiva de alimentos ultraprocessados, isto é, alimentos ricos em açúcares, gorduras e sódio, com muitas calorias e poucos nutrientes. Além da maior disponibilidade em mercados, restaurantes fast food e lojas de conveniência, eles são mais baratos do que alimentos saudáveis.
Nesses lugares, também é muito difícil encontrar alimentos frescos e naturais, como frutas, verduras, legumes e grãos integrais. Além disso, campanhas de marketing, preços baixos e a conveniência de poderem ser consumidos em qualquer lugar, sem precisar de tempo e disposição para seu preparo tornam o consumo dos ultraprocessados quase inevitável.
“Alagadas” por esses produtos, a região se torna uma espécie de pântano no qual as pessoas ficam presas a opções alimentares prejudiciais à saúde.
Diferença entre um deserto alimentar e um pântano alimentar
Assim como os pântanos, os desertos alimentares também se referem a áreas em que acessar alimentos saudáveis é mais difícil. A diferença é que o deserto alimentar é uma região marcada pela escassez na oferta de alimentos naturais, frescos e nutritivos. Neles, é difícil encontrar estabelecimentos que vendam produtos saudáveis, como mercados, feiras, hortifrutis e açougues.
Já nos pântanos, embora essa limitação também exista, o problema é agravado pela abundância de produtos e baixo valor nutricional, que acabam substituindo os alimentos in natura e prejudicando a saúde da população local. Pode-se dizer que o deserto alimentar possibilita o surgimento do pântano.
Saiba mais sobre os desertos alimentares no nosso artigo: Desertos alimentares: onde a comida saudável não chega.
Causas e impactos dos pântanos alimentares
Os pântanos alimentares não surgem por acaso. Eles são fruto de uma combinação de fatores estruturais e culturais que contribuem para que essas áreas se desenvolvam e se perpetuem.
Um dos principais é o próprio modo como os sistemas alimentares atuais se desenvolveram. A forma como os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos hoje é voltada para o lucro, e não para a segurança alimentar. , Isso faz com que produtos mais baratos, duráveis e de fácil distribuição sejam mais lucrativos e, portanto, privilegiados nas estratégias de marketing que tornam esses produtos ainda mais atraentes, mesmo que façam mal à saúde do consumidor.
Esse marketing massivo encontra alvos fáceis em locais em que a maioria das pessoas têm jornadas exaustivas de trabalho e pouco tempo para cuidar da alimentação. Na busca por soluções rápidas, alimentos prontos, mais acessíveis e fáceis de preparar acabam sendo priorizados, e a informação do quão ruim isso é para a saúde fica em segundo plano ou, muitas vezes, nem chega.
O surgimento desses ambientes no Brasil reflete a desigualdades no acesso à alimentação saudável do país e a existência do chamado apartheid alimentar, no qual fatores como raça, cor e escolaridade se somam às barreiras econômicas e estruturais, dificultando ainda mais o acesso a alimentos nutritivos.
Um estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens) explica a predominância de pântanos alimentares em regiões de renda baixa e maior vulnerabilidade. Os pesquisadores concluíram que, no centro da cidade, em áreas de média e alta renda, o número de comércios que priorizavam ultraprocessados era de 5 a 6 vezes maior do que aqueles que vendiam alimentos saudáveis. Já nas regiões periféricas, haviam 22 vezes mais estabelecimentos que vendiam alimentos ultraprocessados do que alimentos in natura.
Uma análise da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também apontou que o consumo desses alimentos na cidade era três vezes maior entre adultos de baixa renda (menos de meio salário mínimo) do que entre aqueles com renda superior a um salário mínimo.
A concentração de pântanos alimentares em áreas vulneráveis e carentes de serviços essenciais também foi observada em mapeamentos feitos em Campinas (SP), Belo Horizonte (MG) e na região RIDE-DF, que abrange o Distrito Federal e municípios de Goiás e Minas Gerais.
Ou seja, os pântanos alimentares aprofundam desigualdades já existentes, impactando a nutrição e a saúde da população racializada, com menos escolaridade e que ocupa as faixas menores de renda, representando uma ameaça direta à sua segurança alimentar,
Isso porque esse tipo de alimentação apresenta muitas consequências negativas para a saúde, que vão além de doenças nutricionais como anemia, obesidade e desnutrição. Uma recente revisão recente de 45 estudos, com quase 10 milhões de pessoas, a associou a 32 problemas de saúde diferentes, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, transtornos mentais, obesidade, problemas respiratórios e maior risco de mortalidade.
Alternativa ao pântano: o oásis alimentar
Em contraste com desertos e pântanos, os oásis alimentares são lugares onde as pessoas têm fácil acesso a alimentos frescos, nutritivos e sustentáveis, com mercados, feiras, hortifrutis e outros comércios que priorizam a venda de produtos in natura.
Para transformar pântanos em oásis alimentares, o primeiro passo é a identificação desses locais. Em 2024, o governo federal lançou o Mapeamento dos Desertos e Pântanos Alimentares do Brasil pela Plataforma Alimenta Cidades, que reúne dados de 91 municípios com mais de 300 mil habitantes.
Além do diagnóstico, é preciso investir nos Equipamentos de Segurança Alimentar, como restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos. Também é essencial a promoção de políticas públicas que incentivem a instalação de mercados e feiras livres em bairros periféricos, e que fomentem a agricultura familiar.
O fortalecimento da agricultura urbana, como hortas comunitárias, também é uma estratégia, ainda que de longo prazo, para fornecer alimentos frescos aos pântanos alimentares e reduzir a dependência de alimentos prejudiciais à saúde.A educação alimentar também ajuda a conscientizar as pessoas sobre os benefícios dos alimentos in natura e os riscos desses produtos, promovendo escolhas mais saudáveis.