Reforma agrária no Brasil e sua importância no combate à fome

Saiba o que é a reforma agrária, sua história e seus impactos na promoção da segurança alimentar no país

Apenas 1% das propriedades agrícolas ocupam quase metade da área rural do país, segundo o Censo Agropecuário de 2017. Esse cenário de concentração de terras é o que impulsiona a luta pela reforma agrária no Brasil – a distribuição mais justa é considerada uma das alternativas para reduzir desigualdades sociais e econômicas, incentivar a produção local e combater a fome. 

Entenda, a seguir, o que é a reforma agrária, sua história e sua importância para a promoção da segurança alimentar no país.

O que é a reforma agrária?

A reforma agrária é um conjunto de políticas e ações que visam a reorganização da estrutura fundiária do Brasil, ou seja, a redistribuição de terras de forma mais justa e igualitária, buscando corrigir a concentração histórica de propriedades nas mãos de poucos.

Essas grandes terras concentradas para poucos proprietários são os latifúndios, muitas vezes improdutivos e mantidos apenas para especulação imobiliária, sem cumprir sua função social de servir como moradia ou produzir alimentos para a população local.

Ao redistribuir essas áreas rurais, a reforma agrária garantiria o acesso à terra para famílias que dependem do cultivo para viver, promovendo justiça social e desenvolvimento da agricultura familiar.

Praticada desde a Antiguidade, essa política de governo envolve a aquisição ou a desapropriação dos latifúndios improdutivos, que podem ser feitas com ou sem indenização aos proprietários, e a sua distribuição para agricultores sem terra, seja por concessão direta ou financiamento subsidiado pelo governo, além de suporte técnico e financeiro para os novos assentados.

A reforma agrária já foi adotada por diversos países, socialistas e capitalistas, como uma abordagem reformista que objetiva melhorar as condições de vida no campo. Alguns exemplos de países que já a realizaram são Estados Unidos, China, França, Japão e Itália.

Tipos de reforma agrária

Ao longo da história, a reforma agrária foi realizada de diferentes formas. Em momentos de revolução, como na Revolução Francesa, a redistribuição de terras visava aliviar tensões sociais e reconfigurar as relações de poder. Durante processos de colonização, como nos Estados Unidos no século XIX, o governo distribuiu terras para incentivar o povoamento de áreas desabitadas.

Existem dois tipos principais de reforma agrária:

  • Reforma agrária estrutural: busca uma mudança profunda na estrutura fundiária do país, substituindo o modelo baseado em latifúndios por um sistema fundiário mais igualitário e democrático no uso da terra;
  • Redistribuição de terras que não cumprem sua função social: é um modelo mais específico adotado em países como o Brasil, onde o governo desapropria apenas terras improdutivas e as redistribui para trabalhadores rurais.

História da reforma agrária no Brasil

O Brasil é marcado pela alta concentração fundiária, já que, desde a época da colônia, as terras foram entregues a poucas famílias e nunca houve um esforço de redistribuição desse espaço de forma igualitária para a população.

De acordo com o Atlas do Agronegócio, o Brasil é o 5º país com maior concentração de terras do mundo. Embora representem menos de 1% dos imóveis rurais no Brasil, as grandes propriedades ocupam cerca de 45% da área produtiva do país, segundo o relatório.

Um dos primeiros marcos na história agrária do Brasil foi a Lei de Terras de 1850, que oficializou a posse de terra por meio de compra. Essa lei reforçou a estrutura fundiária concentradora do país, dificultando o acesso dos mais pobres à terra e mantendo o controle nas mãos dos grandes proprietários.

No século XX, começam a surgir movimentos de camponeses pela mudança dessa situação: as Ligas Camponesas, atuaram nas décadas de 1950 e 1960 e foram um movimento essencial na luta pela reforma agrária. Os trabalhadores rurais de diversos estados se organizaram e promoveram mobilizações políticas pela terra, se tornando um símbolo contra a opressão dos latifundiários.

Para apaziguar o movimento, o regime militar instituiu o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), considerado uma conquista do direito agrário do país. A nova legislação estabeleceu a função social da terra, exigindo que a propriedade rural seja utilizada de forma produtiva, respeitando o bem-estar dos proprietários e trabalhadores, conservando os recursos naturais e promovendo relações de trabalho justas. 

O estatuto também permitiu a desapropriação de áreas improdutivas, além de incentivar a agricultura familiar e o acesso à terra pelos trabalhadores rurais. Entretanto, a implementação da lei foi limitada pela resistência dos latifundiários e falta de vontade política.

Foi somente com a Constituição de 1988 que a reforma agrária voltou a ser debatida. A lei definiu o Estado como responsável pela desapropriação de terras improdutivas, com indenização aos ex-proprietários, e pela distribuição a pequenos agricultores. Em 1993, a política agrícola foi regulamentada e ganhou força, com um aumento no número de desapropriações. 

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é o órgão encarregado de implementar a reforma agrária no Brasil. Desde sua criação em 1970, mais de um milhão de famílias foram assentadas em todo o país. Mas a demanda por áreas rurais ainda persiste, com muitas famílias aguardando acesso à terra.

Movimento dos Sem Terra (MST)

A principal organização popular que luta pela reforma agrária no Brasil é o Movimento dos Sem Terra (MST). Fundado em 1984, o MST se consolidou como uma força política e social que reivindica a justiça social no campo e o direito à terra para quem dela depende para viver. 

Por meio de ocupações de terras improdutivas e protestos, o movimento pressiona o governo a cumprir a legislação agrária e a promover a redistribuição de terras. O MST também atua em outras frentes sociais e políticas, como educação, saúde, cultura e questões ambientais.

Segundo os dados do Incra, existem mais de 9,5 mil assentamentos no Brasil – territórios conquistados pelos trabalhadores sem terra, onde as famílias recebem acesso à terra, apoio técnico e infraestrutura para desenvolver atividades agrícolas e melhorar sua qualidade de vida.

Os assentamentos do MST são importantes produtores agrícolas, com destaque para a produção de arroz, leite, carne, café, cacau, sementes, mandioca, cana-de-açúcar e grãos. Inclusive, o movimento é um dos maiores produtores de arroz orgânico na América Latina, segundo o Instituto Riograndense do Arroz (Irga).

Importância da reforma agrária: benefícios e desafios

A importância da reforma agrária está em seu potencial de fazer justiça social no país, além de transformar as áreas rurais e promover o desenvolvimento econômico sustentável. Entre os principais benefícios dessa política agrária, está a possibilidade de estimular o crescimento econômico por meio do aumento da produção agrícola e da redução da pobreza no campo. 

Ao distribuir terras e criar condições para que as famílias assentadas desenvolvam atividades produtivas, a reforma agrária contribui para a geração de empregos e para o fortalecimento das economias locais, bem como para a produção de alimentos saudáveis para a população em detrimento das monoculturas voltadas para exportação. Quando bem planejada e acompanhada de políticas de apoio, infraestrutura, crédito rural e assistência técnica, os resultados podem ser muito positivos.

Por outro lado, os problemas da reforma agrária surgem quando há falta de estrutura e políticas públicas adequadas para apoiar os camponeses assentados. Sem acesso a crédito, assistência técnica ou logística para escoar a produção, os agricultores enfrentam dificuldades para tornar a terra produtiva, situação que acaba perpetuando a pobreza.

Outros desafios são eventuais irregularidades e pouca fiscalização do processo de reforma. Além disso, a desapropriação de terras levanta debates sobre o direito à propriedade e tem resistência por parte de setores ligados ao agronegócio. Para os críticos da medida, a ocupação de terras pelo movimento pode gerar conflitos fundiários e aumentar a violência no campo.

Reforma agrária no combate à fome

Quando feita com políticas de apoio, a reforma agrária tem um papel essencial no combate à fome e à pobreza. Isso porque ela incentiva a agricultura familiar e garante que a terra seja utilizada de maneira sustentável para produzir alimentos destinados à população. 

O acesso à terra permite que pequenos agricultores ampliem a produção de alimentos básicos, consolidando a segurança alimentar local e abastecendo o país com produtos frescos e saudáveis.

Assim, além de reduzir a desigualdade no acesso à alimentação, essa política impulsiona a geração de renda e fortalece a economia, criando oportunidades para os trabalhadores no campo e levando comida de verdade para quem precisa.

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