6 livros sobre a fome para entender a realidade alimentar do Brasil

Confira uma seleção de livros que explicam a fome no Brasil a partir de suas raízes políticas, sociais e regionais

Entender a complexidade da fome exige ir além das notícias e estatísticas sobre esse fenômeno. Nas últimas décadas, uma série de pesquisadores se debruçaram sobre o tema, analisando suas causas estruturais, suas consequências e os caminhos possíveis para superá-la.

Por isso, listamos leituras fundamentais para entender a persistência da fome em um país que já foi referência no seu enfrentamento, desde estudos pioneiros até reflexões recentes sobre o tema.

Confira a seguir seis livros que documentam a realidade da fome em diferentes regiões do Brasil, além de questionar as estruturas sociais e econômicas que a sustentam.

1. Geografia da Fome (1946)

Lançado em 1946, o livro “Geografia da fome: o dilema brasileiro: pão ou aço” é a principal obra de Josué de Castro, um pioneiro no estudo da fome no mundo. Apesar de não ser geógrafo de formação, o autor recorreu ao método geográfico para analisar as causas estruturais da fome e suas desigualdades no país.

Por meio do mapeamento das regiões do Brasil afetadas pela fome, Josué desconstrói a ideia de que ela é decorrente da escassez de alimentos, como se acreditava até então. A publicação aponta que a fome é um problema político e estrutural, causado pela concentração de riquezas e desigualdade social.

Com uma abordagem inovadora para a época, “Geografia da Fome” se tornou referência internacional ao evidenciar que a fome é resultado de fatores sociais, econômicos e políticos, e não apenas biológicos.

2. Geopolítica da Fome (1951)

Outra obra de prestígio mundial, “Geopolítica da Fome” é uma continuação do trabalho de Josué de Castro no combate às explicações simplistas sobre a fome, desta vez ampliando sua análise para o cenário internacional

Neste livro de 1951, o escritor demonstra como a fome é usada como instrumento de dominação política e econômica entre nações, analisando as causas estruturais e contextuais da fome em cada continente.

Ao denunciar a fome como uma construção geopolítica, Josué reforça a ideia de que a escassez de alimentos é uma consequência da má distribuição de recursos e da exploração histórica de regiões mais pobres.

3. Quarto de Despejo (1960)

“Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” é uma obra autobiográfica de Carolina Maria de Jesus — hoje considerada uma das maiores escritoras do Brasil. O livro reúne as vivências registradas em seu diário de 1955 a 1960, enquanto ela vivia na antiga Favela do Canindé, na cidade de São Paulo.

Na obra, Carolina Maria de Jesus expõe, de forma crua e repetitiva, a luta diária pela alimentação em meio à extrema pobreza, revelando a fome como uma presença constante e devastadora na vida da favela. Em seus relatos, a busca por papel nas ruas é um ato de sobrevivência: quando não havia papel, não havia comida.

Ao retratar a fome no cotidiano, “Quarto de Despejo” não só documenta uma realidade invisibilizada, como também denuncia as desigualdades sociais do Brasil, relacionando a fome à pobreza. O registro deu voz às populações marginalizadas e tornou a fome um tema incontornável no debate público.

4. Segurança Alimentar e Nutricional (2007)

O economista e pesquisador Renato Maluf aborda um dos temas mais importantes na luta contra a fome com a obra “Segurança Alimentar e Nutricional”, publicada em 2007. O livro introduz uma visão ampla do conceito de segurança alimentar e nutricional (SAN).

O título resgata o histórico da segurança alimentar no Brasil e no mundo, evidenciando os avanços obtidos pelo país nas últimas décadas. Por outro lado, Maluf alerta para outros desafios como desigualdades de renda, de gênero, raciais e étnicas, concentração de terras e aumento do consumo de alimentos ultraprocessados.

A publicação se mantém atual ao apontar que o combate à fome no Brasil exige a garantia de acesso a alimentos de qualidade, que promovam práticas saudáveis e respeitem os hábitos culturais.

5. Fome Zero – A experiência brasileira (2010)

“Fome Zero – A Experiência Brasileira” é uma coletânea de textos sobre o programa Fome Zero, uma das políticas públicas mais ambiciosas de combate à fome no Brasil, lançada em 2003 pelo Governo Federal.

Organizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a obra traz reflexões, dados e análises sobre a criação e os desdobramentos do programa. Dividida em três volumes, a coletânea aborda estratégias para unir ações emergenciais e estruturais no combate à fome, destacando a participação da sociedade civil e o papel central do Bolsa Família.

Mais do que um registro técnico, “Fome Zero – A Experiência Brasileira” é um material de referência para entender como políticas públicas podem ser estruturadas para enfrentar a fome de forma integrada e sustentável.

6. Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro (2022)

O livro “Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro” reúne artigos de pesquisadores, ativistas e gestores públicos que revisitam o pensamento de Josué à luz dos desafios contemporâneos da fome no Brasil. 

Organizada por Tereza Campello e Ana Paula Bortoletto, a publicação ressalta a atualidade das análises de Josué de Castro sobre desigualdade, pobreza e insegurança alimentar, que seguem relevantes décadas depois.

Além de refletir sobre o legado do pensamento de Josué, a coletânea atualiza o debate sobre políticas públicas e reforça a importância de manter a luta contra a fome na agenda social do país.

Outros autores que falam sobre a fome no Brasil

Para além da realidade, a fome também é uma personagem marcante no universo da ficção, influenciando o enredo de algumas das mais importantes obras literárias brasileiras.

Diversos autores já retrataram a fome em suas histórias, não só como um fenômeno natural ou econômico, mas como um reflexo das desigualdades sociais e das injustiças estruturais que marcam a sociedade.

Os livros de ficção listados abaixo são importantes para entender como a fome é ilustrada em diferentes contextos e épocas, apresentando uma perspectiva profunda sobre o impacto da falta de comida na vida das pessoas.

Vidas Secas, Graciliano Ramos

Publicado em 1938, “Vidas Secas” revela a aridez e a miséria no sertão nordestino, sendo considerado um dos títulos mais marcantes da literatura brasileira. Escrito por Graciliano Ramos, o romance narra a história de uma família de retirantes em busca de sobrevivência, expondo a dureza da vida marcada pela fome, falta de perspectivas e constante migração forçada.

A fome é o fio condutor da narrativa de “Vidas Secas”; ela molda comportamentos, rompe laços e dita o rumo da história. No livro, Graciliano demonstra como a escassez de alimentos desumaniza, empobrece a linguagem e restringe os sonhos. 

Os Sertões, Euclides da Cunha

Considerado uma das epopeias da língua portuguesa, “Os Sertões” é fruto da experiência do escritor e jornalista Euclides da Cunha como correspondente na Guerra de Canudos, no interior da Bahia.

Entre os temas abordados, a fome aparece como marca persistente da vida no sertão. No livro de 1902, Euclides mostra como a escassez de alimentos, aliada à seca e ao abandono estatal, compunha o cotidiano dos sertanejos. A fome não é apenas consequência da guerra, mas uma realidade anterior e contínua, naturalizada pela elite e ignorada pelas instituições.

O Quinze, Rachel de Queiroz

Romance de estreia de Rachel de Queiroz, “O Quinze” apresenta, com sensibilidade e realismo, a grande seca de 1915 no Nordeste — vivida pela escritora em sua infância. Publicada em 1930, a obra acompanha as histórias de Conceição, uma jovem professora que vive em Fortaleza, e a de Chico Bento, um vaqueiro que tenta sobreviver no sertão assolado pela seca.

No livro, a fome surge como o sofrimento mais extremo provocado pela seca. A autora revela como esse cenário atinge tanto a paisagem quanto as pessoas, mostrando o impacto social da estiagem e a ausência de políticas públicas — um tema que segue atual.

O Cortiço, Aluísio Azevedo

Desta vez no cenário urbano, “O Cortiço” é um dos romances mais importantes do Naturalismo no Brasil. O autor Aluísio Azevedo descreve o cotidiano de moradores de um cortiço no Rio de Janeiro, no final do século 19, indicando como o ambiente influencia os comportamentos e as relações humanas.

Na obra de 1890, a fome compõe a dura realidade marcada por pobreza, exploração do trabalho e desigualdade. A narrativa denuncia a miséria urbana como reflexo da negligência do Estado e da concentração de riqueza.

A importância de ler sobre a fome

No combate à insegurança alimentar, a literatura também é uma ferramenta de conscientização e transformação social. Os livros sobre a fome instigam reflexões sobre as causas e consequências desse fenômeno, ampliando a consciência sobre sua complexidade.

Essas leituras também criam empatia e sensibilizam sobre as desigualdades que perpetuam a escassez, a necessidade de políticas públicas efetivas e responsabilidade coletiva no enfrentamento da fome. 

No Brasil, que voltou recentemente ao Mapa da Fome, a leitura desses títulos e obras literárias se torna ainda mais relevante, uma vez que mantém o tema na agenda pública.

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