Fome no Brasil: história, causas e consequências

Explore as raízes históricas da fome no Brasil até as suas causas e consequências, e conheça os dados atuais desse problema no país

A fome no Brasil marca a história do país e desafia o presente e o futuro dos brasileiros. Ainda hoje, integramos um ranking nada agradável: o Mapa da Fome.

Continue a leitura para entender o que está por trás da fome no Brasil e o que pode ser feito para enfrentar essa questão que afeta tantas pessoas no país!

História da fome no Brasil

A fome existe desde o Período Colonial no Brasil. Desde essa época, a desigualdade social e miséria, causadas pela economia baseada na escravidão, concentração fundiária e monocultura para exportação, são alavancas do problema.

Mesmo com a chegada da República, no final do século XIX, a pobreza persistiu, sobretudo na região Nordeste, onde ocorreram secas severas que forçaram milhões de sertanejos a migrar para outras partes do país em busca de melhores condições de vida. Realidade que foi retratada em livros como Os Sertões, de Euclides da Cunha, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Na Era Vargas, na década de 1930, o governo implementou políticas que começaram a impactar a segurança alimentar da população, como a criação do salário mínimo e programas como o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), a Comissão Nacional de Alimentação (CNA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Um personagem importante na luta contra a fome no Brasil nesse período é o médico e sociólogo Josué de Castro. Autor das obras “Geografia da Fome” (1946) e “Geopolítica da Fome” (1951), ele definiu o problema como uma questão política e não apenas uma consequência de fatores ambientais. 

Já durante a Ditadura Militar, o Brasil experimentou o aumento da desigualdade social e a fome, porque apesar do “milagre econômico”, não houve uma distribuição justa de renda. Para mitigar esses problemas, o governo criou o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN), que levou a uma redução significativa na desnutrição.

A Nova República, iniciada com a eleição de Tancredo Neves, trouxe um novo olhar sobre justiça social e combate à fome com o Plano Subsídios para a Ação Imediata Contra a Fome e o Desemprego. José Sarney, que assumiu o governo após a morte de Tancredo, lançou o Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes (PNLCC), a primeira iniciativa de distribuição de cupons de alimentos em larga escala no Brasil.

No governo seguinte, a administração de Fernando Collor se destacou pelo esvaziamento de muitos programas sociais e pela corrupção. Uma das iniciativas da época foi o Programa Gente da Gente, que distribuiu cestas de alimentos para famílias vítimas da seca do Nordeste.

Um marco da época foi a apresentação da Política Nacional de Segurança Alimentar, documento elaborado em 1991 pelo governo paralelo – instrumento de oposição ao Collor liderado pelo então candidato à presidência derrotado, Luiz Inácio Lula da Silva. A proposta deu origem ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) no governo de Itamar Franco, em 1993.

O período também viu o surgimento do movimento Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e Pela Vida, liderado pelo sociólogo Betinho, que promoveu comitês e pressionou o governo por políticas mais eficazes.

Em 1994, Fernando Henrique Cardoso destituiu o Consea, criando em seu lugar o Programa Comunidade Solidária, iniciativa focava na parceria entre o governo e a sociedade civil. 

No começo dos anos 2000, as taxas de pobreza e desemprego subiram, e, com elas, as iniciativas internacionais de combate à fome. O governo FHC, então, retoma os programas sociais com a criação do Bolsa Escola e do Bolsa Alimentação.

No primeiro governo Lula, a pauta da fome voltou a ser prioritária. Na sua gestão, foi lançado o Programa Fome Zero, um conjunto abrangente de políticas para combater a fome, incluindo transferências diretas de renda e ações emergenciais.

Na sequência, Lula criou o Programa Cartão Alimentação, voltado para compra de alimentos pelas famílias mais pobres, e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com compras públicas de produtos da agricultura familiar, além de restabelecer o Consea.

Outros marcos desse governo foram o surgimento do programa de transferência de renda Bolsa Família, unindo os programas Cartão da Alimentação, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Vale Gás. 

Os resultados dessas políticas públicas fizeram o Brasil se tornar referência mundial no combate à fome. Entre 2002 e 2013, a população de brasileiros considerados em situação de subalimentação caiu em 82%, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), melhora que retirou o país do Mapa da Fome pela primeira vez na história.

Entretanto, a partir de 2017, as taxas de pobreza e insegurança alimentar voltaram a crescer devido ao sucateamento de programas sociais aliado ao desemprego e inflação dos alimentos.

A pandemia e o retrocesso histórico

Os impactos da pandemia de Covid-19 no Brasil representaram um retrocesso histórico de duas décadas nos avanços da luta pela segurança alimentar no país – a crise sanitária escancarou as desigualdades sociais já existentes por aqui. 

No início da pandemia, em 2020, os números da fome no Brasil já tinham voltado ao nível de 2004, com 9% da população convivendo com a escassez de alimentos, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar da Rede PENSSAN.Apenas dois anos depois, a situação piora: a fome passa a afetar 15,5% da população do país, o que representa mais de 33 milhões de brasileiros. Regredindo aos patamares da década de 1990, o Brasil voltou ao Mapa da Fome em 2022.

Dados para entender a situação da fome no Brasil

Após a pandemia, a situação da fome no Brasil mudou consideravelmente devido à melhora dos indicadores econômicos, reajuste do salário mínimo e retomada das políticas públicas voltadas para a promoção da segurança alimentar.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas vivendo com fome caiu para 8,7 milhões de brasileiros em 2023.

Entretanto, o ponteiro da fome pouco mudou se comparado com os números anteriores à pandemia: o percentual de brasileiros convivendo com a fome passou de 4,6% em 2018 para 4,1% em 2023.

Para entender melhor como a insegurança alimentar se manifesta no país e qual é o perfil da população com fome, confira outros dados do IBGE de 2023:

  • 152 milhões de pessoas estavam em segurança alimentar, com acesso regular e adequado à alimentação;
  • 64,2  milhões de pessoas conviveram com algum nível de insegurança alimentar (leve, moderada ou alta);
  • 58% das pessoas com fome estão nas regiões Norte e Nordeste;
  • 1,6x mais probabilidade de insegurança alimentar grave entre mulheres em relação aos homens;
  • 2,4x maior incidência da fome entre as pessoas autodeclaradas negras, em comparação com as brancas;
  • 2,4x mais frequência  de pessoas sem escolaridade estarem com fome versus quem possui ensino médio completo;
  • 59,4% dos domicílios em insegurança alimentar eram chefiados por mulheres.

Causas da fome no Brasil

A fome é resultado de uma complexa interação de fatores sociais, econômicos e políticos. Assim como ocorre no restante do mundo, o principal motivo da fome no Brasil é a desigualdade social, que perpetua a pobreza no país. 

Conforme dados do IBGE de 2022, mais de 67 milhões de brasileiros estavam em situação de pobreza, vivendo com até R$ 637,00 por mês. Por outro lado, o valor médio da cesta básica no mesmo era de R$800 na maioria das capitais, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Ao quadro econômico, soma-se o desemprego, a informalidade do mercado de trabalho e a inflação nos preços de produtos básicos. Sem recursos, as famílias pobres não conseguem ter acesso a alimentos nutritivos e saudáveis, sendo empurradas para a insegurança alimentar.

Mesmo estando em um dos maiores produtores de alimentos do mundo, milhões de brasileiros e brasileiras ainda passam fome por conta da má distribuição de alimentos no país. E as falhas na cadeia de produção e distribuição também geram outro problema preocupante: o desperdício de alimentos.

Outra causa da fome é a falta ou corte de políticas públicas de combate à insegurança alimentar. Ela também pode ser causada por fatores naturais, como secas severas, desastres naturais e pragas ou doenças nas plantações.

Mapa da Fome no Brasil

O Mapa da Fome no Brasil ilustra a distribuição e a intensidade da fome no país, sendo uma ferramenta essencial para a formulação de políticas públicas. Ele revela como a fome está intrinsecamente ligada à pobreza e à desigualdade, destacando regiões onde a insegurança alimentar é mais crítica.

Josué de Castro foi um dos pioneiros na elaboração de um mapa que identificou as desigualdades regionais como principais causas da fome no Brasil, publicado na década de 1940 no livro ‘Geografia da Fome’.Atualmente, o Norte e o Nordeste são as regiões com o maior número de domicílios em insegurança alimentar grave, segundo o IBGE. Já em número absolutos, o Nordeste é a região com mais pessoas passando fome, seguido pelo Sudeste e pelo Norte.

Consequências da fome no Brasil

A fome no Brasil tem consequências devastadoras para a saúde dos indivíduos que sofrem desse problema e para o desenvolvimento do país como um todo. 

O primeiro efeito da privação de alimentos é a desnutrição. Essa condição causa uma série de problemas de saúde, como o enfraquecimento do sistema imunológico e o aumento da predisposição a doenças crônicas. Além disso, as pessoas desnutridas acabam sendo menos produtivas, o que impacta negativamente a força de trabalho do país.

Já a desnutrição infantil provoca graves problemas de desenvolvimento físico e cognitivo nas crianças, comprometendo seu crescimento e desempenho acadêmico. A falta de nutrientes essenciais afeta a concentração, a memória e a capacidade de aprendizado, resultando em baixo rendimento e altas taxas de evasão escolar. 

Com a educação comprometida, as gerações futuras têm poucas chances de melhorar suas condições de vida, o que reforça a desigualdade social. Esse cenário cria um ciclo vicioso de miséria, no qual a fome perpetua a pobreza, dificultando o desenvolvimento sustentável do país.

Programas sociais e ONGs fazem parte da solução da fome no Brasil

A solução para acabar com a fome no Brasil depende da implementação de programas sociais bem estruturados, que atinjam suas causas raízes, e a atuação de organizações não governamentais (ONGs), como o Pacto Contra a Fome, vem impactando esse processo.

Em resposta à volta do Brasil ao Mapa da Fome, o governo federal criou o Plano Brasil Sem Fome: a iniciativa conta com 80 ações e programas e tem mais de 100 metas propostas por todos os ministérios que compõem a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan).

Um dos principais programas da luta contra a fome em vigência no país é o Bolsa Família, relançado em 2023. Outros programas importantes são o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

As ONGs desempenham um papel vital no combate à fome porque, muitas vezes, alcançam comunidades que os programas governamentais não conseguem atingir. Organizações como o Ação da Cidadania, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Banco de Alimentos trabalham para promover a segurança alimentar por meio da distribuição de alimentos e da educação nutricional nessas instâncias.Nessa luta, o Pacto Contra a Fome é uma organização que atua em conjunto com governos, empresas e a sociedade civil para engajar e apoiar soluções permanentes para a erradicação da fome no Brasil e a redução do desperdício de alimentos. Saiba mais sobre a atuação do Pacto.

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