A insegurança alimentar é um dos desafios mais urgentes que o mundo enfrenta nos dias de hoje, quando a alimentação saudável e nutritiva deveria ser uma certeza, não uma luta diária.
No ano passado, uma em cada 11 pessoas no mundo convivia com a dura realidade da fome, totalizando cerca de 733 milhões de indivíduos, de acordo com o relatório “State of Food Security and Nutrition in the World 2024“, desenvolvido pela FAO.
Veja tudo o que você precisa saber para entender a insegurança alimentar: o que é, seus tipos, suas causas e consequências, a situação do Brasil e, mais importante, as soluções para transformar essa realidade!
O que é insegurança alimentar
Para entender o que significa insegurança alimentar, é preciso conhecer o conceito de segurança alimentar, formulado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 1996.
A segurança alimentar existe quando o indivíduo tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficientes, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, como moradia, pagar contas etc.
Quando a pessoa não tem acesso garantido a alimentos suficientes, seguros ou nutritivos para uma vida saudável, ela está em insegurança alimentar. Isso pode ocorrer de forma temporária ou crônica, e varia desde a preocupação com a falta de comida até a fome propriamente dita.
Diferença entre insegurança alimentar e fome
Insegurança alimentar e fome são fenômenos parecidos, mas com significados diferentes. Por definição, a fome é a condição fisiológica de dor ou desconforto físico que acontece quando o corpo não recebe os nutrientes necessários para funcionar adequadamente.
Enquanto a insegurança alimentar é caracterizada como a falta de acesso regular a alimentos adequados, a fome é a consequência extrema dessa privação. Isso indica que uma pessoa que passa fome se encontra em situação de insegurança alimentar.
Entretanto, nem todas as pessoas em condições de insegurança alimentar estão passando fome, já que o conceito de insegurança alimentar inclui não só a quantidade de alimentos disponíveis, mas também a qualidade dos ingredientes.
Tipos de insegurança alimentar
A insegurança alimentar é classificada em níveis ou tipos pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), de acordo com sua gravidade. Saiba quais são eles:
- Insegurança alimentar leve: quando há preocupação ou incerteza com a falta de alimentos, abrindo mão da qualidade para não comprometer a quantidade;;
- Insegurança alimentar moderada: neste caso, o acesso aos alimentos é restrito, com redução da quantidade e até mesmo de refeições;
- Insegurança alimentar grave: é aquele em que a pessoa não tem comida nem dinheiro para comprá-la, podendo estar um dia ou mais sem comer.
Causas da insegurança alimentar
A insegurança alimentar é um problema complexo, com diversos fatores climáticos, econômicos, sociais, comerciais e políticos. São várias razões que podem levar à indisponibilidade de alimentos ou a falta de recursos para obter comida.
A pobreza é a principal causa da insegurança alimentar. Sem dinheiro, as famílias têm dificuldade em garantir comida no prato diariamente, e em quantidade e qualidade suficientes. Outro fator é a desigualdade social e econômica, que limita as oportunidades de emprego, a educação e o acesso a serviços básicos, perpetuando o ciclo da pobreza.
A má distribuição de alimentos também contribui para a insegurança alimentar no país. As falhas nos sistemas alimentares ainda geram outro problema: o desperdício de alimentos. Outros motivos que implicam no acesso aos alimentos são crises políticas, econômicas e sanitárias, guerras,conflitos armados e fatores naturais.
Crise climática e segurança alimentar
Além dos pontos mencionados, a crise climática, caracterizada pelas rápidas e profundas mudanças no clima da Terra, impacta nos sistemas alimentares, ameaçando a segurança alimentar do mundo.
Para se ter uma ideia, os eventos climáticos extremos foram a principal causa de insegurança alimentar aguda para mais de 56 milhões de pessoas em 2022, de acordo com a organização não governamental World Wide Fund for Nature (WWF).
Isso ocorre porque os eventos climáticos, como secas, tempestades, ondas de calor, inundações, comprometem a produção agrícola e pesqueira, diminuindo a disponibilidade e diversidades de alimentos e ainda afetando a subsistência de milhões de pessoas.
Consequências da insegurança alimentar
As consequências da insegurança alimentar são graves e duradouras. Entre os impactos ocasionados pela insegurança alimentar, estão má nutrição, desnutrição e carências nutricionais, que afetam o desenvolvimento físico e cognitivo, principalmente em crianças, bem como as doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, hipertensão e obesidade
Para além dos impactos na saúde, a insegurança alimentar também contribui para o aumento da desigualdade socioeconômica e de problemas como instabilidade social, política e econômica.
A insegurança alimentar no Brasil em dados
Depois da pandemia, houve uma redução da insegurança alimentar no Brasil. Esta melhora se deve, em parte, à retomada de políticas públicas de combate à fome, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Cisternas e Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Em 2023, 64,2 milhões de brasileiros conviveram com algum nível de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, o cenário da fome pouco mudou.
De 2018 para 2023, o percentual de pessoas em insegurança alimentar grave caiu apenas 0,5% — de 4,6% para 4,1%. Atualmente, 8,7 milhões de brasileiros e brasileiras convivem com a fome, sendo que 58% delas estão nas regiões Norte e Nordeste.
Os dados também mostram que a incidência da fome é mais alta entre a população negra, pessoas sem escolaridade e domicílios em zonas rurais. Além disso, a pesquisa revelou que 59,4% dos domicílios em insegurança alimentar eram chefiados por mulheres.
Insegurança alimentar e a pandemia de Covid-19
A pandemia de Covid-19 evidenciou as desigualdades já existentes no Brasil e no mundo, agravando a insegurança alimentar. A crise sanitária causou a interrupção das cadeias de suprimento, aumento do desemprego e inflação dos preços dos alimentos.
O evento também afetou os progressos recentes na redução da fome e da pobreza. No Brasil, isso significou um retrocesso histórico de 20 anos na luta pela segurança alimentar. Em 2020, as estatísticas da fome já estavam nos patamares de 2004, com 9% dos brasileiros convivendo com a falta de comida, conforme o inquérito da Rede PENSSAN.
Em 2022, o cenário se agravou, com a fome afetando mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras, 15,5% da população do país. Recuando aos níveis dos anos 1990, o Brasil voltou ao Mapa da Fome naquele ano.
Segurança alimentar: um direito de todos
A segurança alimentar é um direito reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e, no Brasil, pela Constituição Federal de 1988, conforme o artigo 6. Essa garantia é indispensável para a erradicação da fome, a redução da pobreza e a promoção da saúde.
Além de assegurar que cada pessoa possa viver dignamente, com saúde e qualidade de vida, a segurança alimentar como um direito de todos contribui para o desenvolvimento social e econômico de comunidades e países inteiros.
Como combater a insegurança alimentar
Visto que a insegurança alimentar possui diversas raízes, sua solução também exige uma estratégia multifacetada que envolve ações em várias frentes: governos, organizações da sociedade civil (OSCs), empresas e indivíduos.
A nível global, já existe um comprometimento para acabar com a fome até 2030 por meio do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 da Agenda 2030, criado pela ONU. Localmente, é essencial que os governos implementem políticas públicas eficazes que garantam acesso a alimentos saudáveis e nutritivos.
Para o combate da fome no Brasil, algumas ações e programas de transferência de renda, subsídios para alimentos e apoio à agricultura familiar que se destacam são o Bolsa Família, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a Cesta Básica Nacional de Alimentos e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
As empresas também podem contribuir, por meio de projetos de inclusão socioprodutiva, redistribuição de alimentos próprios para o consumo para pessoas em vulnerabilidade social e/ou apoiando iniciativas já existentes. No HUB Pacto Contra a Fome, é possível navegar e conhecer as mais de 900 ações de combate à fome e ao desperdício de alimentos no Brasil inscritas na plataforma.
O trabalho feito pelas OSCS também é de extrema relevância para acabar com a fome no Brasil, complementando ações governamentais. É importante ressaltar que essas três esferas precisam atuar em conjunto – só assim a fome será solucionada.