Além de designar o segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 2), a expressão Fome Zero também dá nome ao programa responsável por diminuir os números da insegurança alimentar no Brasil e tirar o país do Mapa da Fome em 2014.
O programa envolveu um conjunto de ações e iniciativas que garantiu alimentação digna a milhões de brasileiros. Um dos principais legados dessa política é o Bolsa Família, considerado o maior programa de transferência de renda do mundo.
Conheça melhor a história do Programa Fome Zero a seguir: saiba como ele surgiu, como funcionou, seus impactos e seu desfecho.
História do Programa Fome Zero
O Programa Fome Zero foi criado pelo governo federal em 2003, durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. A questão da fome foi o mote da sua campanha presidencial e, depois da vitória nas urnas, se tornou a prioridade do governo.
Sob o slogan “O Brasil que come ajudando o Brasil que tem fome”, o programa foi elaborado pelo chamado Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA).
O Fome Zero substituiu o Programa Comunidade Solidária, que havia sido implementado em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). O Comunidade Solidária era uma iniciativa de combate à pobreza e à exclusão social com foco na articulação entre governo e sociedade civil.
Com o objetivo de combater a fome em suas causas estruturais, o Fome Zero reuniu um conjunto de políticas públicas para garantir o acesso à alimentação, a expansão da produção e o consumo de alimentos saudáveis, a geração de ocupação e renda, e a melhoria na escolarização, nas condições de saúde e no acesso ao abastecimento de água.
A articulação entre ações estruturantes e medidas emergenciais fazia parte dos princípios do Fome Zero. Além disso, a iniciativa promovia a intersetorialidade das ações estatais nas três esferas de governo e o desenvolvimento de ações conjuntas entre o Estado e a sociedade.
Uma das principais iniciativas do programa foi a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que havia sido desativado em 1995, no governo de FHC.
Entre suas ações, o Consea aprovou a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), que instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), assegurando o direito humano à alimentação adequada.
Outro dispositivo criado no contexto do Fome Zero foi a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), que estabeleceu os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Como surgiu o Fome Zero?
O Programa Fome Zero foi implementado em 2003, mas sua origem tem início antes da presidência de Lula. Uma das inspirações para o programa foi a Política Nacional de Segurança Alimentar.
Em 1991, esse documento foi elaborado pelo chamado Governo Paralelo – um instrumento de oposição ao governo Collor, liderado por Lula, que havia sido derrotado nas eleições. A proposta foi levada a Brasília, resultando na criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) no governo de Itamar Franco, em 1993.
Outra influência para a criação do Fome Zero foram as percepções advindas das Caravanas da Cidadania, nas quais Lula percorreu o Brasil para conhecer a realidade do país. As viagens revelaram que um dos principais problemas da população brasileira era justamente a fome.
Nesse contexto, surge o Projeto Fome Zero, uma proposta de política de segurança alimentar para o Brasil lançada em 2001 pelo Instituto Cidadania, organização não governamental (ONG) dirigida por Lula. O projeto foi resultado de um trabalho coletivo de mais de 6 meses, sendo elaborado e debatido por quase uma centena de técnicos e especialistas.
Com a eleição de Lula no ano seguinte, a proposta ganhou destaque nacional depois do primeiro discurso do então presidente eleito: “Se, ao final do meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes ao dia, terei realizado a missão de minha vida”.
Assim, o governo federal deu início à implantação do Programa Fome Zero enquanto política pública de combate à insegurança alimentar. No dia 3 de fevereiro de 2003, o projeto piloto do programa foi inaugurado no pequeno município de Guaribas, interior do Piauí, considerada uma das cidades mais pobres do país.
Estrutura do Fome Zero
A atuação do programa era estruturada a partir de quatro eixos articuladores: acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e articulação, mobilização e controle social. Veja as ações de cada eixo:
Acesso aos Alimentos
O eixo de Acesso aos Alimentos reúne diversos programas e ações de transferência de renda, alimentação e nutrição e acesso à informação e educação. Uma das iniciativas que se enquadra nesse eixo é o programa de transferência de renda Bolsa Família.
Nesse eixo, se encontram vários outros programas de alimentação, como:
- Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE);
- Distribuição de vitamina A e Ferro;
- Construção de cisternas;
- Implantação de Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias, Feiras, Agricultura Urbana e Bancos de Alimentos;
- Alimentos aos grupo populacionais específicos, como indígenas e quilombolas;
- Cadastramento de povos indígenas;
- Educação Alimentar e Nutricional;
- Sistema Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN);
- Programa de Alimentação dos Trabalhadores (PAT);
- Desoneração da cesta básica de alimentos.
Fortalecimento da Agricultura Familiar
É o eixo que apresenta ações específicas na agricultura familiar para promover a geração de renda no campo e o aumento da produção de alimentos para o consumo. Entre os programas desse eixo, estão:
- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf);
- Programa de Aquisição de Alimentos (PAA);
- Garantia-Safra;
- Seguro da Agricultura Familiar.
Geração de Renda
O eixo de Geração de Renda incentiva a economia solidária e desenvolve ações de qualificação da população de baixa renda para incentivar sua inserção no mercado de trabalho. Os programas estruturados nesse contexto foram:
- Qualificação social e profissional;
- Economia solidária e inclusão produtiva;
- Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (Consad);
- Organização produtiva de comunidades;
- Desenvolvimento de cooperativas de catadores;
- Microcrédito produtivo orientado.
Articulação, Mobilização e Controle Social
O quarto eixo do Fome Zero visa estimular a sociedade a firmar parcerias com o governo federal para a realização de campanhas de combate à fome e de segurança alimentar. Algumas de suas ações englobam:
- Centro de Referência de Assistência Social (CRAS);
- Mobilização social e educação cidadã;
- Capacitação de agentes públicos e sociais;
- Mutirões e doações;
- Parcerias com empresas e entidades;
- Conselhos e Comitês de Controle Social.
Para incentivar a participação da sociedade civil no programa, o movimento para Mobilização Social do Fome Zero criou outros instrumentos inspirados na sigla de Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome – MESA, que são: COPO, PRATO, SAL e TALHER. Saiba qual era o papel de cada um:
- COPO (Conselho Operativo do Programa Fome Zero): reunia voluntários locais para cuidar da arrecadação de recursos e da doação de alimentos em cada cidade;
- PRATO (Programa de Ação Todos pela Fome Zero): braço operativo do programa, eram comitês de base para voluntários se mobilizarem contra a fome;
- SAL (Agentes de Segurança Alimentar): composto de pessoas capacitadas com a função de monitorar o desenvolvimento das famílias atendidas pelo programa;
- TALHER (Rede de Educação Popular): instrumento de alimentação cultural, era uma rede de centenas de educadores populares com a missão de promover a educação cidadã dos beneficiados.
Fome Zero e Bolsa Família
Criado em 2003, o Bolsa Família integrou o Programa Fome Zero, sendo um dos carros-chefe dessa política pública. Atualmente, ele é o maior programa de transferência de renda do mundo, beneficiando pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza.
A iniciativa unificou outros programas de transferência de renda do governo federal que já existiam na gestão de FHC, o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás e o Cartão Alimentação.
Impactos do Fome Zero
Os impactos do Programa Fome Zero levaram o Brasil a se tornar referência mundial no combate à fome. Entre 2002 e 2013, o número de brasileiros considerados em situação de subalimentação caiu em 82%, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Nesse período, o Indicador de Prevalência de Subalimentação também diminuiu, atingindo um nível menor que 5%. No ano seguinte, o avanço nesse índice resultou na saída do país do Mapa da Fome pela primeira vez na história. Infelizmente, o Brasil voltou a figurar nesse índice em 2022 (Saiba mais no artigo: Fome no Brasil: história, causas e consequências).Por sua estratégia de combate à fome e resultados expressivos, a FAO destacou o Brasil no relatório Estado da Insegurança Alimentar no Mundo (SOFI, na sigla em inglês) de 2014. Segundo a organização, o país fez grandes avanços na segurança alimentar e governança nutricional com leis e instituições que são o legado do Programa Fome Zero.
O Fome Zero ainda existe?
O Fome Zero acabou após o término do segundo mandato de Lula. Entretanto, os principais programas vindos dessa política pública continuaram ativos, com destaque para o Bolsa Família. Com a volta de Lula à presidência, para seu terceiro mandato, o governo federal lançou o Plano Brasil Sem Fome, um conjunto de ações e programas com objetivo de reduzir a insegurança alimentar e retirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030.