Conheça Betinho, símbolo do combate à fome no Brasil

Saiba mais sobre a história de Betinho e a importância de sua luta contra a fome e a miséria no país

Considerado um símbolo de cidadania, Betinho é um nome que ecoa na luta por justiça social e pela dignidade de milhões de brasileiros, afinal, o ativista dedicou sua vida à luta contra a fome e a miséria.

Ele fundou ONGs que seguem atuando como pilares na promoção da solidariedade no país, além de ter inspirado uma das maiores mobilizações sociais da história do Brasil.

Saiba mais sobre a história de Betinho e entenda como seu legado de luta continua a influenciar o país.

Quem foi Betinho?

Herbert José de Sousa, mais conhecido como Betinho, foi um sociólogo, ativista e protagonista na luta contra a fome e as desigualdades no Brasil. 

Nascido em 1935, na cidade de Bocaiúva, em Minas Gerais, Betinho herdou a hemofilia de sua mãe, assim como seus dois irmãos, o cartunista Henfil e o músico Chico Mário. Ele também vivia com outras doenças, como a tuberculose, desde a infância.

Na década de 1950, a formação de Betinho foi muito influenciada por padres dominicanos, que defendiam o engajamento social e político como parte do compromisso cristão, alinhando a fé à luta por justiça social. 

Nesse período, ele integrou a Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC), movimentos da Ação Católica que moldaram seus valores como ativista. Ainda bem jovem, Betinho viajou pelo Brasil nas caravanas do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Em 1962, Betinho se graduou em Sociologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No mesmo ano, junto com outros líderes estudantis como José Serra, Aldo Arantes e Vinícius Caldeira Brant, ele participou da fundação da Ação Popular (AP), um movimento político de inspiração cristã e socialista.

No governo de João Goulart, o ativista assessorou o Ministério da Educação (MEC), pasta na qual fez articulações para executar o projeto de alfabetização de pessoas adultas desenvolvido por Paulo Freire. Ele ainda colaborou com os estudos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Atuando na Superintendência de Reforma Agrária, o sociólogo também defendeu as chamadas Reformas de Base, iniciativas que buscavam modernizar a estrutura agrária do país e democratizar o acesso à terra.

Após o Golpe Militar em 1964, Betinho foi preso, torturado e vigiado pela ditadura devido às suas atividades políticas. Com o aumento da repressão, em 1971, o sociólogo decidiu se exilar no Chile

Em território chileno, Betinho retomou suas atividades políticas e acadêmicas. Lá, ele assessorou o então presidente Salvador Allende e deu aulas na Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales, em Santiago.

Com o golpe de Augusto Pinochet, em 1973, o ativista brasileiro se refugiou no Panamá. Depois, ele ainda viveu no Canadá, Escócia e México, onde seguiu engajado em movimentos progressistas, lecionou em universidades e fez doutorado em Ciência Política.

Em 1979, com a Lei da Anistia, Betinho e outros exilados voltaram ao Brasil. O sociólogo foi recepcionado no aeroporto com o hino da anistia, a canção “O bêbado e a equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco, cuja letra pedia a “volta do irmão do Henfil”.

Dois anos depois, Betinho fundou o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), junto com os companheiros de exílio e economistas Carlos Afonso e Marcos Arruda. O Ibase é uma organização voltada para a pesquisa e análise de questões sociais e econômicas no Brasil, com foco em combater as desigualdades e promover a justiça social. 

Uma das primeiras bandeiras do Ibase foi a luta pela reforma agrária, na qual Betinho foi um dos principais articuladores da Campanha Nacional pela Reforma Agrária. Em 1990, o instituto foi um dos promotores do evento “Terra e Democracia”, que levou 200 mil pessoas ao Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.

Em 1986, Betinho descobriu ter contraído o HIV, o vírus da aids, devido às transfusões de sangue que precisava fazer periodicamente por causa da hemofilia. O ativista, então, abraçou a luta contra a aids, usando sua visibilidade para promover a prevenção, defender os direitos das pessoas vivendo com HIV e combater a discriminação que sofriam.

No mesmo ano, ele participou da fundação da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), que presidiu até a sua morte. Em 1988, seus irmãos Henfil e Chico Mário, também hemofílicos, morreram por complicações da aids.

Sempre defendendo a justiça social e a democracia no Brasil, em 1992, o sociólogo integrou o Movimento pela Ética na Política, que culminou no impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Dentro do movimento, nasceu um dos projetos que o imortalizaram: a Ação da Cidadania contra a Miséria, a Fome e pela Vida, um movimento social em defesa das populações vulneráveis.

No ano seguinte, o presidente Itamar Franco convidou o ativista para coordenar o recém-criado Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). Betinho recusou o convite por limitações físicas, mas integrou o conselho como consultor.

Em 1995, Betinho entregou a Carta da Terra a Fernando Henrique Cardoso em sua posse como presidente do Brasil. A carta trazia propostas para combater a pobreza e a fome no país, e simbolizava o compromisso do ativista em levar as demandas da sociedade civil para o governo e buscar justiça social.

Betinho faleceu em agosto de 1997 em sua casa, na cidade do Rio de Janeiro, em decorrência da aids. Em 2010, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça reconheceu as violações sofridas por Betinho na ditadura e concedeu indenização à sua família.

Qual foi a importância de Betinho no combate à fome?

Betinho foi um dos maiores representantes da luta contra a fome no Brasil. Desde o início de sua trajetória política, ele denunciou as desigualdades sociais gritantes do país, destacando que o direito de todos e todas a uma vida digna é uma responsabilidade coletiva.

O maior marco da sua atuação pela justiça alimentar se deu com a criação da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, quando mobilizou toda a sociedade e trouxe visibilidade para os problemas da fome e da pobreza do país.

A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida

Em 1993, Betinho fundou e liderou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, movimento que o transformou em símbolo da cidadania no Brasil. A iniciativa surgiu a partir da “Carta de Ação da Cidadania”, um documento que convoca a sociedade a se unir para erradicar a miséria e a fome.

Sem filiações partidárias ou ideológicas, em poucos meses, a chamada Campanha contra a Fome se tornou uma das maiores mobilizações sociais do país e a maior campanha de combate à fome da história da América Latina.

O movimento funcionava de forma descentralizada, permitindo que grupos e indivíduos organizassem campanhas locais para arrecadação e distribuição de alimentos. Entre 1993 e 1994, mais de 25 milhões de pessoas doaram para a campanha e mais de 4 mil comitês surgiram em todo o Brasil.

Além da arrecadação de alimentos e da conscientização pública, a Ação da Cidadania também alavancou o debate sobre segurança alimentar, pressionando o governo a implementar programas de combate à fome.

Com mais de 30 anos de atuação, a Ação da Cidadania é uma das maiores instituições de combate à fome no Brasil. O atual CEO da organização, Rodrigo “Kiko” Afonso, também é cofundador e membro do conselho administrativo do Pacto Contra a Fome.

Quem tem fome tem pressa

Imortalizada por Betinho, a frase “Quem tem fome tem pressa” é o slogan que acompanha décadas de atuação da Ação Cidadania. A afirmação resume a visão do sociólogo e de sua campanha de que quem tem fome não pode esperar por soluções demoradas. 

No Programa Roda Viva, em 1996, Betinho esclarece que se o movimento não oferecesse comida a quem está morrendo de fome, não adiantaria pensar em reformas estruturais daqui a 10 anos, pois não haveria população para viver a reforma.

Betinho no cinema

Betinho teve sua trajetória marcada por diversas produções cinematográficas que retratam sua luta nas telinhas e nas telonas. A obra mais recente é a sérieBetinho – No Fio da Navalha(2023), produzida pelo streaming Globoplay. 

A jornada do símbolo da cidadania também foi representada no documentário Betinho – A Esperança Equilibrista (1996). Outra obra sobre o sociólogo é o filmeTrês Irmãos de Sangue (2006), que foca em sua relação com seus irmãos Henfil e Chico Mário.

Legado de Betinho

Betinho deixou um legado duradouro e publicou diversos livros, desde escritos sobre política até obras infantis, além de artigos que ajudam a compreender as desigualdades no Brasil. No livro “No Fio da Navalha”, Betinho narra sua trajetória política, enquanto “A Cura da Aids” reflete seu ativismo na saúde pública.

Sua atuação impactou diretamente a formulação de políticas públicas voltadas para a inclusão social e a redução das desigualdades, promovendo os direitos humanos e a dignidade das pessoas mais vulneráveis.Em 2012, a importância histórica de Betinho foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que o incluiu em sua lista de Memória do Mundo, reconhecendo sua contribuição na luta pela erradicação da fome e pela justiça social.

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