Desertos alimentares: onde a comida saudável não chega

Entenda o que são os desertos alimentares, suas causas e consequências, e como combater esse fenômeno

Entenda o que são os desertos alimentares, suas causas e consequências, e como combater esse fenômeno

Ter o que comer nem sempre é sinônimo de segurança alimentar; ela é definida pela garantia de uma alimentação nutricionalmente adequada, além de em quantidade suficiente. Para pessoas que vivem em desertos alimentares, isso não é uma realidade – é quase impossível encontrar comida saudável, como frutas, legumes e verduras frescas, nesses lugares.

Sem muitas opções de alimentos nutritivos, a alimentação dos moradores e moradoras dessas regiões é dominada por produtos de baixo valor nutricional, como macarrão instantâneo, embutidos, salgadinhos e refrigerantes.

Entenda melhor o que são os desertos alimentares, quais são suas causas e consequências e como é possível acabar com essa realidade que atinge o Brasil e o mundo.

O que são desertos alimentares?

Os desertos alimentares são regiões, tanto em áreas urbanas quanto rurais, onde o acesso a alimentos saudáveis, nutritivos e baratos é limitado ou inexistente. Geralmente, os desertos alimentares são comunidades de baixa renda, periféricas e distantes de grandes centros urbanos.

De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, alimentos saudáveis são aqueles classificados como in natura ou minimamente processados. Nos desertos alimentares, é difícil encontrar mercados, feiras, hortifrutis, peixarias, açougues e mercearias que ofereçam produtos frescos, como frutas, legumes e verduras.

Isso obriga os moradores a se deslocar até regiões mais centrais ou mais caras para comprar itens saudáveis, além de restringir as opções a produtos de baixa qualidade nutricional.

O conceito de deserto alimentar surgiu em 1995 em um relatório da Força-Tarefa de Nutrição do governo escocês. Desde então, o termo tem sido usado em diversos estudos para a promoção da alimentação saudável e redução de doenças relacionadas à dieta. 

Uma das pesquisas que se destaca no tema é a do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). Segundo o USDA, uma região é caracterizada como deserto alimentar quando:

  • tem uma taxa de pobreza igual ou maior a 20%; e
  • 33% da população mora a mais de 1,6 km de um supermercado (para áreas rurais, a distância é de mais de 16 km).

Pântanos alimentares

Outro termo utilizado quando se fala de desigualdades no acesso à alimentação é o pântano alimentar. Enquanto nos desertos alimentares falta acesso a alimentos saudáveis, os pântanos alimentares são regiões onde é abundante a oferta de alimentos ricos em açúcares, gorduras e sódio, com muitas calorias e poucos nutrientes.

É como se essas regiões estivessem “alagadas” por uma grande quantidade de alimentos não saudáveis. Nesses locais, é até possível encontrar opções saudáveis e acessíveis, mas elas são ofuscadas pela propaganda massiva e oferta de produtos de baixo valor nutricional.

Causas dos desertos alimentares

Um dos principais fatores que causa o deserto alimentar é a falta de infraestrutura nessas regiões, que são, em sua maioria, comunidades de baixa renda. 

Devido a fatores como localização geográfica, planejamento urbano inadequado e baixo poder aquisitivo local, há menos incentivo para a instalação de estabelecimentos que oferecem produtos frescos e nutritivos nessas regiões.

Além de não serem facilmente acessados ou terem infraestrutura adequada, a falta de transporte público eficiente nos desertos alimentares agrava o problema, tornando o acesso a regiões com melhores opções de comida saudável ainda  mais difícil.

Essas causas socioeconômicas, geográficas e estruturais que limitam o acesso a alimentos saudáveis estão relacionadas à ausência de políticas públicas que busquem promover a segurança alimentar nessas regiões.

Impactos dos desertos alimentares

As pessoas que vivem em desertos alimentares consomem menos alimentos saudáveis e nutritivos do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda, por exemplo; são pelo menos 400 gramas de frutas e vegetais por dia para adultos. 

Segundo o estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel Brasil) 2023, apenas 21% dos brasileiros entrevistados consomem esses alimentos na frequência indicada.

Sem acesso a uma alimentação adequada, essas pessoas ficam vulneráveis a diversos problemas de saúde, como deficiências nutricionais, desnutrição, obesidade, diabetes, doenças cardíacas e outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). A longo prazo, isso sobrecarrega o sistema de saúde e impacta nos gastos públicos necessários para tratamentos dessas doenças.

Além disso, uma má alimentação impacta no desenvolvimento cognitivo e escolar das crianças, e há, ainda, as consequências econômicas, já que a falta de alimentos de qualidade e o desenvolvimento cognitivo prejudicado levam a uma menor produtividade no trabalho. Essa relação de causas e consequências da má alimentação é o que chamamos de ciclo da fome.

A falta de educação alimentar nestas regiões faz com que haja mais demanda por alimentos pouco nutritivos, já que as pessoas os consomem sem saber que são ruins para sua saúde. Por isso, os desertos e os pântanos alimentares são considerados ambientes obesogênicos. Eles favorecem as escolhas alimentares não saudáveis e os comportamentos sedentários, aumentando a ocorrência da obesidade e de outras doenças. Segundo o Vigitel Brasil 2023, 24% dos adultos nas capitais brasileiras são obesos.

Uma alimentação pobre em nutrientes também pode encurtar os anos de vida – de acordo com um estudo recente, 10% das mortes entre pessoas de 30 a 69 anos de idade em 2019 foi relacionada a má alimentação. Isso corresponde a 57 mil mortes prematuras.

Como acabar com os desertos alimentares

A solução para acabar com os desertos alimentares não se limita a aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis; é preciso também investir em infraestrutura, políticas públicas, iniciativas comunitárias, negócios locais e educação alimentar.

Para transformar desertos em oásis alimentares, são necessárias políticas públicas que estimulem a criação de feiras livres, hortas comunitárias e mercados municipais nessas regiões, além de incentivar o consumo e a produção de alimentos locais e a educação nutricional.

Uma das iniciativas da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional – (Caisan)nesse sentido é o estudo técnico de mapeamento dos desertos alimentares no Brasil, com o objetivo de entender os fatores que impactam o acesso aos alimentos, sobretudo os saudáveis, no país.

O governo também pode recorrer a medidas fiscais, como a taxação de alimentos com alto teor de gorduras saturadas, açúcar e sal e a criação de incentivos fiscais para que pequenos estabelecimentos comercializem mais produtos saudáveis.

O setor público também tem o papel de fomentar a produção de alimentos agroecológicos e orgânicos, bem como apoiar a agricultura familiar, o que acontece, atualmente, por meio das iniciativas Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Uma estratégia importante para evitar, também, a formação de pântanos alimentares, é regulamentar a implantação de restaurantes de fast foods muito próximos uns aos outros, especialmente em regiões com pouca oferta de comida saudável.

Para combater os desertos alimentares de forma efetiva, é fundamental que governos, empresas e organizações sociais trabalhem juntos para transformar esses espaços, garantindo que alimentos nutritivos sejam acessíveis e economicamente viáveis para todas as pessoas em todos os lugares.

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