O desperdício de alimentos no Brasil denuncia uma conta que não fecha. Todos os anos, o país desperdiça mais de 55 milhões de toneladas de alimentos ao longo de toda cadeia de produção. Nesse mesmo Brasil, 64 milhões de pessoas têm acesso restrito à comida, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A fome e o desperdício são dois problemas independentes. Resolver o desperdício não vai ajudar diretamente quem passa fome. Entretanto, a diminuição do desperdício impacta em aspectos importantes para a garantia da segurança alimentar, como a sustentabilidade ambiental, a redução de custos e a maior disponibilidade de produtos.
Por isso, os dois desafios andam juntos. Também segundo o IBGE, somos o quinto maior produtor mundial de alimentos e, ao mesmo tempo, estamos entre os dez países que mais desperdiçam comida no mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Não podemos nos conformar com essa realidade.
Mas o Brasil não é exclusividade quando o assunto é desperdício de alimentos; a chamada perda e desperdício de alimentos (PDA) é um problema que atinge todos os países. Em 2022, foram 1,05 bilhão de toneladas de alimentos foram descartados no mundo, segundo o Índice Global do Desperdício de Alimentos 2024 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Com dados tão preocupantes, não é à toa que o combate ao desperdício de alimentos faz parte do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12.3 da Organização Nações Unidas (ONU), que propõe:
“Até 2030, reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita”.
Qual a diferença entre quebra, perda e desperdício de alimentos?
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estabelece diferenças entre os termos perda e desperdício. Para a FAO, a perda se refere ao descarte de alimentos que acontece nos estágios iniciais da cadeia de produção devido a problemas no, plantio, pós-colheita, processamento, armazenamento e transporte.
Já o desperdício se refere apenas aos alimentos descartados no final da cadeia de produção, ou seja, nas etapas de varejo e consumo final – em mercados, restaurantes e nas casas dos consumidores.
As definições da FAO atribuem um peso maior ao descarte feito pelo consumidor, tirando o foco das ineficiências da produção. Para o Pacto Contra a Fome, todo alimento que acaba no lixo é chamado de desperdício, não importando a etapa de produção em que isso ocorra.
Existe também o conceito de quebra de alimento, que acontece na comercialização, quando o alimento está fora do padrão considerado adequado para a comercialização.
Desperdício de alimentos no Brasil em dados
A falta de dados é um dos desafios no combate ao desperdício de alimentos no Brasil. Como já apresentamos, ainda não existe um mapeamento completo ou metodologia oficial para que saibamos como, quanto e onde estamos jogando comida fora.
A Integration Consulting, em parceria com o Pacto Contra a Fome, reuniu os dados existentes no Relatório Diagnóstico sobre a Fome e o Desperdício de Alimentos no Brasil (2022).O material aponta que das 161,3 milhões de toneladas de alimentos que o Brasil produz anualmente, 55,4 milhões são desperdiçadas por ano, desde o campo até à mesa.
Ainda segundo o relatório, os alimentos mais desperdiçados são frutas, hortaliças, tubérculos e laticínios, correspondendo juntos a cerca de 45 milhões de toneladas de desperdício por ano.
Outra pesquisa recente sobre o tema é o Índice Global do Desperdício de Alimentos 2024, da PNUMA, que analisou os resíduos domiciliares de cinco regiões da cidade do Rio de Janeiro ao longo de 2023. Os resultados revelam um descarte de 94 kg de comida por pessoa no ano.
Infelizmente, os dados ainda são escassos, já que a pesquisa se limita às etapas finais da cadeia de produção, o varejo e o consumo quando a maior parte do desperdício se concentra na etapa de produção – como veremos no próximo tópico.
Quem é o maior responsável pelo desperdício de alimentos? Entendendo o desperdício ao longo da cadeia de alimentos
O desperdício acontece ao longo de toda a cadeia de produção e abastecimento. Do campo até à mesa, todos têm responsabilidade no combate ao desperdício de alimentos. Assim, não há culpados únicos por esse problema.
O relatório do Pacto apresenta o percentual de desperdício em cada etapa da cadeia de produção. De acordo com os dados, 84% do desperdício acontece antes do alimento chegar à casa do consumidor, o que representa 47,9 milhões de toneladas. Dentre os elos da cadeia produtiva, o que tem maior impacto é o produtor, com mais de 30% do desperdício total.
Entenda como as 55,4 milhões de toneladas de alimento são desperdiçadas ao longo da cadeia de produção:
- Produtores e colheita: 17,3 milhões de toneladas – 31,2%
- Pós-colheita, armazenamento e transporte: 10,8 milhões de toneladas – 19,5%
- Manufatura e abastecimento: 11,9 milhões de toneladas – 21,5%
- Varejo alimentar e serviço de alimentos: 7,9 milhões de toneladas – 14,3%
- Consumidor final: 7,5 milhões de toneladas – 13,5%
Quais são as principais causas do desperdício de alimentos?
Do produtor até o varejo e serviços alimentícios, as principais causas do desperdício estão ligadas a ineficiências produtivas, operacionais e comerciais. Já dentro dos domicílios, a maior parte do desperdício está relacionado a fatores culturais.
Analisando mais em detalhes, algumas das causas do desperdício na etapa de produção, ou seja, no campo são: práticas de colheita ineficientes, fatores climáticos, doenças, pragas e maquinário desatualizado.
Na etapa de pós-colheita, armazenamento e transporte, acontecem problemas como condições precárias de transporte, falta de armazenamento refrigerado, deficiências logísticas e embalagens precárias.
Já na fase de processamento e varejo, as principais causas para o desperdício de alimentos são mau planejamento e gerenciamento de estoque, descarte inadequado de produtos imperfeitos e manuseio de alimentos incorreto e excessivo.
Quando o alimento chega à casa do consumidor final, a falta de conscientização sobre o assunto, o mau planejamento e o modo de preparar os alimentos são algumas das causas do desperdício.Como destaca uma pesquisa sobre desperdício de alimentos da Embrapa, outro fator é a chamada cultura da abundância de comida. Esse relatório demonstra que a maioria dos brasileiros considera importante ter fartura na mesa e despensa cheia, além de cozinhar em casa duas ou mais vezes por dia.
O impacto do desperdício de alimentos
O desperdício de toneladas e mais toneladas de alimentos traz consequências para o presente e para o futuro. Quando um alimento vai para o lixo, os recursos, insumos e energia gastos em sua produção também são desperdiçados. Ou seja, comida no lixo também custa caro; de acordo com a PNUMA, o custo da perda e do desperdício de alimentos na economia global é estimado em cerca de US$ 1 trilhão.
Outro impacto do desperdício de alimentos é a redução da disponibilidade mundial e local de alimentos. Isso repercute negativamente no acesso dos consumidores, gerando aumento nos preços, por exemplo.No longo prazo, o meio ambiente é quem mais sofre com o desperdício de alimentos. Segundo a PNUMA, ele gera de 8% a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa. Além disso, a ineficiência dos sistemas alimentares leva ao desperdício de água, degradação de terra, queima de combustíveis, entre outros impactos ambientais causados pela produção e transporte de alimentos.
Como evitar o desperdício de alimentos?
Com ações focadas em cada etapa da cadeia produtiva, o Brasil tem um potencial de aproveitar 38,6 milhões de toneladas de alimentos, bem mais que o necessário para combater a fome no país, segundo aponta o relatório do Pacto. E evitar perder comida dentro de casa é só uma das atitudes que podemos ter para combater o desperdício de alimentos; para chegar em 2030 com nenhuma pessoa com fome no Brasil, é preciso um esforço conjunto de todos os setores.
Ao setor público, cabe a elaboração de políticas públicas eficazes e sustentáveis para o combate ao desperdício de alimentos e à fome, com orçamento necessário e coordenação entre as esferas de poder.
Para o setor privado, a recomendação do relatório é aumentar a atenção ao ESG (governança ambiental, social e corporativa) por meio de ações específicas, tangíveis e monitoradas contra a fome e o desperdício.
Aos consumidores e sociedade civil, além de garantir uma melhor gestão das refeições nos lares, cabe o importante papel de engajar na luta contra a fome e o desperdício, além de pressionar os governos a dar atenção à causa.
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