Segurança alimentar não é só comida na mesa. Ela é a chave para o desenvolvimento sustentável e para a promoção da dignidade humana. Não é à toa que a segurança alimentar é um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e, no Brasil, pela Constituição Federal de 1988.
Apesar da importância desse princípio, milhões de brasileiros ainda vivem uma realidade oposta: a da insegurança alimentar. Os dois conceitos andam juntos e nos ajudam a entender a complexidade da luta contra a fome.
O que é segurança alimentar?
O conceito de segurança alimentar não é recente. Vinda do inglês “food security”, a expressão segurança alimentar surgiu na Europa ainda na época da Primeira Guerra Mundial.
Inicialmente atrelado à segurança nacional, o termo dizia respeito à capacidade de produção e estoque de alimentos de cada país, como estratégia para se proteger contra as ameaças externas.
Nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, em 1943, acontece a I Conferência Internacional sobre a fome. No evento, a definição de segurança alimentar se expande para além da segurança nacional, passando a ser compreendida como um direito humano.
Inclusive, a conferência deu origem à ideia de se criar um mecanismo internacional para atuar no combate à fome e na reestruturação da agricultura dos países devastados pela guerra. Dois anos depois, a proposta se concretiza com a criação da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Até os anos 1970, a definição de segurança alimentar feita pela FAO era focada na disponibilidade de alimentos a nível mundial, com a premissa de que a produção adequada garantiria o acesso universal aos alimentos.
Em 1992, a Conferência Internacional de Nutrição ampliou a visão do conceito. O encontro reconheceu que a segurança alimentar não se limita apenas à disponibilidade de alimentos, mas também o acesso a alimentos seguros e de qualidade.
A partir dessa conferência, o termo passou a considerar aspectos nutricionais e sanitários e ficou conhecido como Segurança Alimentar e Nutricional (SAN).
Anos mais tarde, na Cúpula Mundial sobre Alimentação de 1996, a FAO formulou uma definição mais completa de segurança alimentar, que considera não apenas a disponibilidade e o acesso aos alimentos, mas também sua utilização e estabilidade ao longo do tempo:
“Segurança alimentar existe quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos que satisfaçam suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável.”
No Brasil, o debate sobre segurança alimentar ganhou destaque a partir de 1986, com a I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição. Atualmente, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), sancionada em 2006, define SAN como:
“A realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, econômica e socialmente sustentáveis.”
4 pilares da segurança alimentar
A segurança alimentar é sustentada por quatro pilares principais, consolidados ao longo das décadas. Juntos, eles garantem que todas as pessoas tenham acesso a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente. Esses pilares são: disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade. Entenda melhor cada um:
- Disponibilidade: refere-se à quantidade suficiente de alimentos disponíveis para toda a população, englobando a produção local, importações e estoques de alimentos.
- Acesso: diz respeito à capacidade das pessoas de obter alimentos de maneira consistente e em quantidade suficiente para atender às suas necessidades dietéticas, o que inclui tanto o acesso econômico quanto o acesso físico.
- Utilização: se refere à forma como os alimentos são utilizados pelas pessoas para satisfazer suas necessidades nutricionais, envolvendo dieta, preparo de alimentos, saneamento e cuidados de saúde.
- Estabilidade: é a capacidade de garantir a disponibilidade, o acesso e a utilização dos alimentos ao longo do tempo, sem interrupções significativas devido a crises econômicas, climáticas ou políticas.
Diferença entre segurança alimentar e segurança do alimento
Apesar de estarem intimamente ligados, os termos segurança alimentar e segurança do alimento têm significados diferentes.
Como vimos, o conceito de segurança alimentar, ou “food security”, diz respeito à garantia de que todas as pessoas, em todos os momentos, tenham acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos para uma vida ativa e saudável.
Já o termo segurança do alimento vem do inglês “food safety” e se refere à garantia de que os alimentos consumidos são seguros para a saúde humana e livre de contaminações. O conceito se concentra na qualidade e segurança sanitária dos alimentos desde a produção até o consumo.
Importância da segurança alimentar
Assegurar que as pessoas tenham acesso a alimentos suficientes, seguros e nutritivos é essencial para a erradicação da fome, redução da pobreza e promoção da saúde.
Por isso, investir em práticas que promovam a segurança alimentar não apenas beneficia indivíduos e comunidades, mas também contribui para um mundo mais justo, saudável e sustentável para todos.
Infelizmente, a realidade em várias partes do mundo ainda revela um cenário bem diferente: o da insegurança alimentar, quando há falta de acesso regular a alimentos nutritivos e suficientes.
De acordo com o relatório “State of Food Security and Nutrition in the World 2024” da FAO, 1 em cada 11 pessoas passaram fome em 2023, cerca de 733 milhões.
A insegurança alimentar tem consequências graves e de longo alcance. Um dos impactos mais imediatos é a desnutrição e a má nutrição, que comprometem o desenvolvimento físico e cognitivo, especialmente em crianças, mas também aumenta o risco de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e obesidade em adultos.
Socialmente, a insegurança alimentar reflete e perpetua desigualdades socioeconômicas. De forma geral, comunidades e países que lidam com altos níveis de insegurança alimentar enfrentam desafios como instabilidade social, política e econômica.
Níveis de insegurança alimentar
A insegurança alimentar pode ser classificada em três tipos principais: leve, moderada e grave. Veja como cada uma é classificada:
- Insegurança alimentar leve: ocorre quando há incerteza sobre a capacidade de conseguir alimentos no futuro e há uma preocupação com a necessidade de comprometer a qualidade e variedade da dieta.
- Insegurança alimentar moderada: envolve a redução significativa na quantidade de alimentos consumidos e a adoção de estratégias para lidar com a falta de alimentos, como pular refeições ou depender de alimentos menos nutritivos.
- Insegurança alimentar grave (fome): é aquela em que a pessoa não tem comida, nem dinheiro para comprá-la, ou quando só faz uma refeição por dia – ou, pior ainda, quando fica um ou mais dias sem comer.
Segurança alimentar no Brasil
No Brasil, o acesso irregular e inadequado a alimentos também preocupa. Apesar da melhora nos dados sobre segurança alimentar no período pós-pandemia, os números ainda são alarmantes.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2023 mostrou que 64,2 milhões de brasileiros conviveram com algum nível de insegurança alimentar.
Um dos pontos que mais chamam a atenção na pesquisa é o indicador da fome. A insegurança alimentar grave passou de 4,6% em 2018 para apenas 4,1% em 2023, uma redução pouco significativa.
O relatório revela que a insegurança alimentar grave continua mais prevalente em determinadas populações e regiões do Brasil. As regiões Norte e Nordeste são as mais atingidas – 58% das pessoas expostas à fome vivem nesses territórios. As famílias chefiadas por mulheres autodeclaradas negras e os lares com crianças e adolescentes também possuem maior chance de conviverem com o problema.
Como garantir a segurança alimentar?
Não faltam motivos para entender que a promoção da segurança alimentar é uma prioridade global. Todos os esforços conjuntos de governos, organizações internacionais, ONGs e comunidades locais são essenciais para garantir o acesso universal a alimentos de qualidade.
A nível mundial, já existem programas como o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 (ODS 2) da ONU, que visa acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição até 2030.
No Brasil, as políticas públicas que combatem as causas raízes da fome, como a pobreza, a desigualdade e o acesso ao alimento, são primordiais nessa luta. Algumas ações e programas governamentais que se destacam na redução da insegurança alimentar e na promoção da inclusão social são o Programa Bolsa Família, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a Cesta Básica Nacional de Alimentos e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que incentiva a agricultura familiar.
Com políticas inclusivas e sustentáveis, é possível garantir não apenas a disponibilidade e o acesso aos alimentos, mas também promover sistemas alimentares resilientes que beneficiem a todos, contribuindo assim para o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades.