Mais de 64 milhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar em 2023, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas as estatísticas da fome no Brasil seriam ainda maiores se contabilizassem também a chamada fome oculta. Apesar de pouco conhecida, ela é considerada uma das doenças nutricionais predominantes atualmente.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a fome oculta afeta mais de 2 bilhões de pessoas globalmente. Os pequenos se destacam entre os mais vulneráveis: o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que uma em cada duas crianças menores de cinco anos sofre de fome oculta.
Esse conceito não é novo; pioneiro no estudo da insegurança alimentar, Josué de Castro já apontava, em seu livro Geografia da Fome (1984), a necessidade de analisar o fenômeno integralmente: tanto a fome total quanto a parcial ou oculta.
Nas palavras do médico e ativista, na fome oculta pela falta permanente de determinados nutrientes em sua alimentação diária, “grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias”.
Entenda o que é a fome oculta, seus sintomas silenciosos, os impactos no desenvolvimento infantil, os riscos para a saúde e as principais estratégias para combatê-la.
O que é fome oculta?
A fome oculta – também chamada de síndrome da fome oculta – é definida pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) como uma deficiência de um ou mais micronutrientes, como vitaminas e minerais.
Enquanto a fome tradicional pode ser facilmente notada pelo ronco da barriga vazia ou pela perda de peso expressiva, a fome oculta passa sem deixar rastros, como seu próprio nome sugere. Ela pode acometer pessoas aparentemente saudáveis e, inclusive, aquelas acima do peso.
Isso porque a fome oculta acontece quando a alimentação não fornece os micronutrientes necessários ao organismo, mesmo que a quantidade de calorias seja suficiente.
Essa síndrome é causada, principalmente, por hábitos alimentares não saudáveis, como substituir refeições nutritivas por alimentos ultraprocessados, comer poucas frutas e hortaliças ou ter uma dieta monótona.
A fome oculta costuma ser um problema imperceptível, que avança silenciosamente. Normalmente, as pessoas só sentem os sinais da carência nutricional quando o quadro se agrava, com o comprometimento do metabolismo e o surgimento de doenças.
Sintomas da fome oculta
A fome oculta tem como característica ser uma condição praticamente assintomática, sendo difícil de detectá-la até mesmo em exames clínicos. Por não apresentar sinais evidentes, ela pode passar despercebida por muito tempo.
Muitas vezes, as alterações fisiológicas causadas pela falta de micronutrientes importantes, como ferro, vitamina A e zinco, não são reconhecidas como fome oculta. Geralmente, os sintomas surgem quando a deficiência de micronutrientes já está elevada.
Veja os principais sintomas de fome oculta:
- Fadiga;
- Fraqueza;
- Baixa imunidade;
- Dificuldade de concentração;
- Sonolência;
- Irritação;
- Variações de humor;
- Falta de apetite;
- Apatia;
- Câimbras;
- Queda de cabelo;
- Unhas quebradiças;
- Problemas de pele (como ressecamento ou acne);
- Tontura;
- Sensação de formigamento nas extremidades;
- Problemas hormonais;
- Dificuldades de cicatrização.
Fome oculta infantil
A fome oculta em crianças é ainda mais preocupante. Como a infância é uma fase crítica para o desenvolvimento do organismo, a deficiência de micronutrientes pode ter consequências duradouras e afetar o desempenho escolar e, posteriormente, profissional.
De acordo com o relatório Situação Mundial da Infância 2019 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), pelo menos 340 milhões de crianças menores de cinco anos sofrem de fome oculta no mundo. Os dados alarmantes se somam à alta incidência de desnutrição e obesidade infantil, formando o que a organização chama de tripla carga de má nutrição.
A fome oculta infantil também apresenta sinais sutis, que vão além dos sintomas comuns e incluem dificuldade de aprendizado, falta de concentração e crescimento abaixo do esperado para a idade.
Perigos da fome oculta
A fome oculta pode parecer inofensiva por não causar perda de peso visível ou outros sinais típicos de desnutrição. No entanto, seus impactos são profundos e comprometem a saúde de forma silenciosa e progressiva.
A falta de vitaminas e minerais essenciais enfraquece o sistema imunológico, tornando o organismo mais suscetível a infecções, de quadros prolongados de gripes a infecções mais graves, como pneumonia.
A deficiência de micronutrientes também compromete o desenvolvimento físico e cognitivo, o que prejudica a fase de crescimento e capacidade intelectual das crianças, principalmente.
Além disso, a síndrome da fome oculta está associada ao surgimento de doenças crônicas, como hipertensão, obesidade, diabetes, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares, câncer e osteoporose.
O problema pode afetar pessoas de todas as idades, mas é especialmente prejudicial para aqueles que pertencem a grupos de risco, como crianças, adolescentes, gestantes, lactantes e idosos. Essas faixas etárias estão em momentos críticos do desenvolvimento e da saúde, nos quais a necessidade de vitaminas e minerais é ainda maior.
Como combater a fome oculta
Os impactos da fome oculta vão além da saúde individual, atingindo o desempenho escolar e profissional das pessoas. Em larga escala, isso tem repercussões sociais e econômicas que prejudicam toda a sociedade e o país.
Por isso, assim como a fome comum, a fome oculta também exige atenção do poder público e privado. Seu combate requer uma abordagem diversificada que inclua acesso a serviços de saúde, segurança alimentar e educação nutricional.
Uma das estratégias necessárias para enfrentá-la é a identificação do quadro por meio de avaliação física, exames clínicos e análise dos hábitos alimentares. Quando as carências nutricionais são verificadas, é preciso realizar a suplementação com vitaminas e minerais de forma individualizada e, a longo prazo, a inserção de alimentos mais nutritivos e hábitos alimentares adequados no dia a dia, com escolhas alimentares saudáveis.Para isso, é imprescindível que todas as pessoas tenham acesso a alimentos saudáveis e nutritivos, sobretudo aquelas em situação de vulnerabilidade. Nesse sentido, o Brasil já conta com algumas políticas públicas, como Banco de Alimentos, Ceasas, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).