Encomendamos um estudo que, ao analisar os microdados das PNADs 2004, 2009 e 2013, POF 2017/2018 e PNADC 2023, evidencia que a insegurança alimentar tem atingido a população negra de maneira desproporcional, indicando desigualdades profundas e persistentes no Brasil.
Ao analisar os dados dos últimos 20 anos, os pesquisadores constataram que famílias negras são 29% mais propensas a enfrentar insegurança alimentar e 37% mais suscetíveis à fome em relação às famílias brancas. E essa disparidade se mantém com larga distância em todas as medições realizadas pelo IBGE usando a escala Brasileira de Segurança Alimentar (EBIA), reforçando a urgência de políticas públicas que combatam o racismo e a fome de forma integrada.
A desigualdade é acentuada e, apesar da melhora nas médias, quando quebramos os dados e olhamos para as distâncias, vemos que nos últimos 20 anos a relação segue sempre mais crítica nos lares negros do que nos brancos, o que demonstra a necessidade de um desenho de políticas públicas de combate à fome e na promoção da segurança alimentar com olhar focado em superar as desigualdades raciais. Por exemplo, olhando para a insegurança alimentar em 2023, entre os lares chefiados por pessoas negras, 514 estão em insegurança alimentar para cada 1.000 com acesso pleno à alimentação, enquanto entre lares brancos essa proporção é de 140 para cada 1.000. Já em relação à fome, essa proporção entre negros e brancos é de 57 a cada 1.000 contra 23 a cada 1.000.
O estudo encomendado pelo Pacto Contra a Fome utilizou modelos estatísticos como o logit para isolar o efeito da cor/raça na insegurança alimentar, controlando fatores como renda, escolaridade e região. Mesmo quando esses fatores são iguais, a cor ou raça do chefe de família é um fator determinante no risco de insegurança alimentar. E essa relação está intimamente relacionada com a pobreza – a maioria das pessoas pobres são negras e possuem rendimentos muito abaixo das famílias brancas.
A análise também mostra que houve uma melhora, ainda que lenta, ao longo dos anos, o que demonstra o efeito de políticas públicas de equidade e combate à pobreza nesse período. No entanto, os dados ainda ilustram um cenário de extrema vulnerabilidade e ressaltam a necessidade de abordar as desigualdades raciais no combate à fome e na promoção da segurança alimentar, considerando a interseccionalidade entre raça e gênero.